O HOMEM QUE ENGANOU O TEMPO
Inspirado na crônica filosófica de Nêrilda Lourenço, publicada aqui no RL em 07/10/24.
<><>¤<><>¤<><>
Tem horas que minha vida se torna um saco, fico triste, amuado, querendo algo diferente, longe dessa modernidade que nem sempre é bom para certas pessoas e eu sou uma delas. Certa tarde mesmo, era um sábado, dia claro, a noite prometia, mas eu não queria nada, estava chateado. Fiquei ali na varanda olhando a rua, pensando na vida, na minha vida, quando ela era realmente valiosa, simples, verdadeira, bem longe dos dias atuais. Estava tão afastado de mim que nem vi a noite chegar. Em algum lugar próximo da minha casa um som musical me chamou a atenção e por incrível que pareça me veio a lembrança de Marilda, uma garota excêntrica, madura, bonita, só que tinha ideias malucas, extravagantes, mas eu gostava dela. Nunca me veio à mente namorá-la, eu tinha a maior admiração por essa criatura. Porém o tempo se encarregou de nos juntar e tudo por iniciativa dela. Ela que pediu para namorar comigo, o que me deixou profundamente surpreso. Pensei em pedir um tempo para pensar, mas antes que isso acontecesse Marilda foi taxativa e foi logo dizendo: "não aceito um não!", o que me fez ficar sem outra opção e iniciamos um namoro. Tudo correu bem, nos entendíamos, éramos felizes e aproveitamos os melhores momentos de nossas vidas. Foram poucos meses de intensa alegria e felicidade, pois da forma como esse amor surgiu ele desapareceu e o motivo não ficou bem claro, mas eu aceitei numa boa, afinal a decisão tinha sido dela também. O tempo passou, fiquei pensando nela mas depois acabei esquecendo e encontrando outra namorada com quem assumi um compromisso que durou anos, no entanto viemos a romper por motivo que também não lembro bem, mas com certeza foi por bobagens.
E naquela varanda, ouvindo aquela saudosa música que foi da nossa época, eu consultei o tempo, pedi para termos uma conversa. E ele me atendeu bem, só que não cedeu aos meus apelos. Conversamos bastante, lhe falei de Marilda, ele riu, mas não estava disposto a me fazer rever a ex-namorada. Disse apenas que não podia atender todo mundo nesse sentido, falando até que o segredo desse desejo estava numa pequena chave que carregava junto com ele e que abria uma porta imaginária e quem nela entrasse usufruiria de qualquer desejo com relação ao passado, muito seu amigo. Eu achei o tempo miito ingrato, pelo menos para mim que sou uma pessoa do bem e merecedor de uma ajudazinha, então, diante da sua negativa resolvi agir de acordo com os meus sentimentos e tramei uma presepada com ele. Pedi para ver a tal chave que dar acesso ao passado, apenas para olhar de perto, a princípio ele relutou mas acabou me mostrando. Queria só tocar na bendita chave, porém num descuido dele arranquei-lhe a chave e joguei no espaço, no próprio tempo que engloba todo o espaço. Vocês não imaginam o que aconteceu! Como ele havia dito que a bendita porta estava em qualquer lugar do seu lado eu arrisquei e fiz o que fiz. Imediatamente a porta surgiu do nada e eu mais que depressa me pus nela, vislumbrei algo maravilhoso. Era um cenário bem conhecido por mim, pois se eu estava com o pensamento no passado, mais precisanente em Marilda, eu me vi no lugar onde a conhecia. Foi como se eu voltasse ao passado, tratando logo de procurar quem eu desejava. E encontrei. Era como se vivêssemos aquela época e que nada havia mudado.
Pronto, enganei o tempo e me dei bem. Na minha frente a minha ex-namorada Marilda, do mesmo jeitinho que deixei há muitos anos. Passamos a viver o mesmo romance de antigamente, me vi no mesmo lugar onde nos conhecemos e passamos a relembrar tudo que conversamos, mas ela apenas ria, era como se nada tivesse mudado e não tivéssemos rompido. Foram momentos de prazer e felicidade que aproveitei com muito gosto. Durou bastante tempo essa união, parecia que o tempo havia parado, andamos pelo lugar, nos abraçamos, nos beijamos e até me senti satisfeito, se tivesse de voltar para a minha era voltaria feliz e foi exatamente o que aconteceu. Quando me dei conta estava voltando pela bendita porta e entrando no meu mundo atual. Vi quando a porta se fechou ao som da música que marcou nossas vidas e como uma cortina de fumaça desapareceu na minha frente. Ao meu lado, bastante chateado e com a chave em seu poder, o tempo, inconformado com a minha astúcia. Disse que jamais dialogaria comigo.