Pandemia do Revés
Era sábado ou domingo, pela noite
Quando ouvimos de nossos próximos
Os despautérios que lhe acometeram
Nos últimos dias.
Catástrofes da rotina mediana,
Cuja importância é questionada apenas
Por aqueles que não as vivem
No momento em que acontecem.
Malabarismos de gambiarras,
Confusões sobre copos meio vazios
Ou meio cheios de água;
Certezas que evaporam
E hidratam as raízes
Dos problemas
Que nos consomem.
Para coroar, uma dor de cabeça;
Nariz escorrendo, enxaqueca
Uma gripe descomunal que tomou conta
E fez do trabalho árduo
Uma tortura.
Despedimo-nos (de longe) e seguimos rumo
Pois depois de sábado, ou de domingo
Tudo se transformou numa gelatina insossa
Que gruda nos dentes da boca
E invoca caretas de desaprovação.
A gripe chegou no primeiro dia útil.
Que de útil não teve nada - um dia todo de fungadas
Dor de cabeça, nariz escorrendo, enxaqueca
E o medo que a gripe descomunal
Trouxesse mais do que problemas físicos.
A gripe se espalhou,
E agora somos dois cuja saúde ela ceifou,
E pior, muito pior do que isso -
Foi quando ficou claro que o revés
Fazia parte dos sintomas.
O chuveiro queimou, o chefe brigou
A irmãs brigaram, o cachorro deitou
E não se levantou mais.
O pneu estourou, o calor aumentou
Cozinhando quem já vinha pré-cozido
Apenas com os sintomas físicos
Da gripe descomunal.
Absolutamente irreverente; sem igual
Mesmo febris, quase delirando,
Descobrindo e se impressionando
Com os detalhes sutis
Que ela foi capaz de atacar.
Mas, por sorte, o revés acaba
A partir do momento que se cura da ressaca
Que a gripe descomunal te fez passar.
O nariz ainda escorre, mas não é hoje que o cachorro morre
Ou que o calor continua a aumentar.
Para tomar um sol, saímos a rua
Celebrar a vitória contra a doença e comemorar,
Avistando de longe, um senhor de meia idade,
Carregando uma cesta pesada com dezenas de ovos,
Gastando toda sua força para conseguir segurar.
Olhou para nos cumprimentar, perdeu a passada
Pisou torto, caiu e derrubou
As dezenas de ovos, cujos nenhum sobrou.
Simpático com a queda, estendi a mão para o levantar
E em meio as gemas e claras de ovo,
O senhor de meia idade franziu o rosto
E começou a espirrar.