O Véu Invisível
Desde o seu primeiro suspiro, algo invisível o acompanhava. Um fardo silencioso, um véu de que ele jamais havia percebido. Na infância, ele era como qualquer outra criança. Brincava, sorria e se encantava com o mundo ao seu redor. Mas, diferente dos outros, havia momentos em que, sutilmente, uma nuvem pairava sobre ele, ofuscando um pouco do brilho do sol. No início, ele não entendia ou percebia, e seus pais, amigos e professores também não notavam. Para todos os efeitos, ele era um menino saudável e feliz.
À medida que os anos passaram, essa sombra tornou-se parte de quem ele era. Na adolescência, quando as emoções começaram a se intensificar, ele começou a sentir o peso disso. Aquilo que antes conseguia ignorar, agora se manifestava com uma força mais presente. A música, especialmente o rock, o amor pela família e os amigos, tornaram -se sua válvula de escape. Ele agarrava-se ao som das músicas preferidas como se fossem uma corda que o mantinha à beira de um precipício.
Durante um período na adolescência, após uma crise existêncial, onde desejou partir antes da hora; procurou uma vizinha evangélica, que sempre o convidara no passado à cultos na igreja que congregava, e, lembrando da paz que sentiu naquele lugar na primeira vez que visitou, não exitou em chamá-la em sua casa para que o levasse até lá novamente. Assim o fez, permanecendo lá por dez anos e seguindo como podia para poder aproximar-se de Deus e afastar-se das mazelas desse mundo.
Mas, com o passar dos anos, as coisas que viu e ouviu dentro das igrejas, as decepções e frustrações que sentiu no dia a dia, desanimaram-no e fizeram-no perder o brilho que antes sentira. Sua visão de fé e de mundo, com suas injustiças e maldades, começavam a pesar mais do que o desejo de santidade, consagrações à Deus ou qualquer outra coisa tida por moralmente bela.
Aos poucos, ele foi perdendo o gosto pela vida. As coisas que antes lhe davam prazer agora pareciam pálidas e distantes. A comida não tinha sabor, as risadas dos amigos eram apenas ecos, e as cores ao seu redor se tornaram um borrão de cinza. O que antes eram apenas momentos de tristeza, agora eram dias intermináveis de desespero silencioso. Ele se via afundando em um mar de desânimo, e por mais que tentasse nadar até a superfície, algo o puxava para baixo.
Então, uma noite, quando o peso da existência parecia insuportável, ele foi visitado por um ser de luz. Não era uma presença comum; havia algo celestial e ao mesmo tempo profundamente humano naquela figura. O ser irradiava uma paz que o fez lembrar do que sentia quando era da igreja, nas suas orações e momentos com Deus no seu particular, e em paz observava com dificuldade tanta luz flutuando em frente à sua cama.
O ser falou, sua voz era suave e acolhedora, explicando o porquê das maldades e dos terrores deste mundo. A queda do homem no Éden trazendo toda essa maldição. Ele falou sobre a natureza da existência, sobre a luta entre a luz e a escuridão, e como, em meio a toda dor e sofrimento, havia um propósito maior. O ser revelou que a alma dele havia nascido sensível às dores do mundo e por isso tanto sofrimento, e, que poucos conseguem usar esse dom para aperfeiçoá-lo no amor ao próximo ao invés de sucumbir. Mas que é a forma da Luz tentar salvar almas por meio de outros homens, pois, foi assim que Deus estabeleceu, disse que ele usa homens e não anjos para tal, e o segundo apenas em casos de emergências, onde o homem não consegue agir ou estar!
Ele ouviu em silêncio, sentindo cada palavra como um bálsamo para seu espírito cansado. No entanto, ao final da explicação, sabia que tinha sido seu último dia nessa Terra; ele apenas balançou a cabeça e disse, com uma serenidade que surpreendeu até a ele mesmo: "Já não me importa mais nada disso! Apenas cuide da minha família e dos meus amigos."
O ser de luz sorriu, um sorriso cheio de compaixão e compreensão. Ele assentiu, como se aceitasse o pedido com a mais profunda sinceridade. E então, como uma vela que se apaga com um sopro suave, a dor e o sofrimento que o haviam acompanhado por tanto tempo começaram a se dissipar. Sentiu uma leveza que jamais havia experimentado, como se finalmente pudesse descansar.
Naquela noite, enquanto o ser de luz desaparecia, ele fechou os olhos e se entregou ao sono. Não era o sono da morte, mas o sono de uma alma que finalmente encontrava paz. E quando a manhã chegou, seu corpo foi encontrado, sereno e em paz, com um sorriso suave nos lábios, como se tivesse encontrado as respostas que tanto procurava.
Sua família e amigos, que o amavam, sentiram sua ausência profundamente, mas também perceberam que ele havia encontrado algo que poucos conseguem nesta vida: a verdadeira paz. E assim, sua memória viveu, não como alguém que foi vencido pela tristeza, mas como uma alma sensível que encontrou descanso após uma longa e difícil jornada.
O ser de luz, fiel à sua promessa, cuidou daqueles que ele amava, guiando-os e protegendo-os. Enquanto ele continuava sua jornada em outra esfera, livre do peso que havia carregado por tanto tempo, sua história se tornou uma lembrança viva, uma lição sobre a luta silenciosa de quem carrega a dor do mundo no coração e, no fim, encontra a redenção na aceitação e no amor.