O Blefe do Demônio

A noite estava coberta por um manto de trevas, que parecia pesar sobre os ombros dos dois amigos enquanto caminhavam lado a lado. A rua era estreita e pavimentada com paralelepípedos irregulares, que produziam ecos quase fantasmagóricos a cada passo dado. Apenas uma luz fraca e vacilante iluminava a escuridão, projetando sombras longas e distorcidas nas fachadas das casas antigas. No final da rua, uma imponente mansão erguia-se como um espectro de pedra, com suas janelas escuras e sua arquitetura decadente.

 

Um dos amigos, chamado Ricardo, tinha um compromisso importante naquela mansão. Ele precisava visitar alguém, alguém misterioso que habitava aquele lugar sombrio. O outro, Rafael, olhou ao redor com apreensão, sentindo uma crescente inquietação. Quando seus olhos pousaram na figura de um mendigo deitado na sarjeta, o coração de Rafael apertou-se. O homem estava encolhido, envolto em trapos sujos, abandonado ao relento como se fosse parte da paisagem esquecida.

 

Ricardo, alheio aos pensamentos de Rafael, continuou em direção à mansão, deixando o amigo para trás, como se o mendigo nem existisse. Rafael, movido por uma súbita compaixão, decidiu se aproximar do mendigo. Queria oferecer-lhe algum conforto, talvez algumas palavras de esperança, e falar-lhe sobre o amor de Deus. A rua estava silenciosa, o ar denso, e a sensação de que algo estava fora do lugar pairava como uma nuvem invisível.

 

Rafael aproximou-se lentamente, cada passo parecia aumentar o peso em seus ombros. Quando estava próximo o suficiente, inclinou-se para falar com o mendigo, mas antes que pudesse pronunciar qualquer palavra, o homem ergueu a cabeça com um movimento abrupto. Seu rosto, agora iluminado pelo débil brilho da lâmpada do poste, não parecia humano. Os olhos eram poços de escuridão, sem qualquer traço de sanidade ou humanidade. Então, o mendigo abriu a boca e uma voz gutural, profunda e aterrorizante, ecoou na rua vazia:

 

"Satã!"

 

O grito era tão poderoso que parecia ressoar dentro da cabeça de Rafael, fazendo-o estremecer até os ossos. O pânico tomou conta de seu corpo, e sem pensar, ele se virou e começou a correr. O som de seus próprios passos era abafado pelos gritos grotescos que vinham de trás. Não ousou olhar para trás, mas sentia claramente que o mendigo não era mais um simples homem. Algo muito mais sinistro estava em seu encalço, algo que queria sua alma.

 

Enquanto corria, Rafael avistou à frente uma galeria, com uma laje quebrada que dava acesso a um andar superior. Sem pensar duas vezes, ele saltou, tentando agarrar a estrutura na esperança de escalar e fugir. Seus dedos se prenderam com força na borda da laje, e por um breve momento, ele sentiu uma esperança crescente de escapar.

 

Mas então, uma pressão gélida agarrou seus tornozelos com uma força desumana. Rafael olhou para baixo e viu mãos que não pertenciam a um mendigo. Eram garras, escuras e deformadas, que subiam lentamente por suas pernas, puxando-o para baixo. O terror cresceu dentro dele, enquanto ele lutava desesperadamente para se soltar, mas era inútil. Sentia-se sendo arrastado para as trevas, para longe da luz tênue do poste, e para um destino do qual não havia escapatória.

 

Com um último grito de desespero, Rafael foi puxado para dentro da escuridão, e o silêncio voltou a reinar na rua dos paralelepípedos, como se nada tivesse acontecido. O único som que restava era o murmúrio distante do vento, que parecia sussurrar o nome daquele que havia clamado na noite: Satã.

 

 

DengosoRock
Enviado por DengosoRock em 22/08/2024
Reeditado em 22/08/2024
Código do texto: T8134989
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