O Surto do Guerreiro Perdido
No calor abafado de uma tarde qualquer no Rio de Janeiro, uma figura incomum se esgueirava pelas ruas movimentadas da cidade. Ele era um homem cuja mente, outrora afiada como uma lâmina, havia sido corroída pelos fantasmas que só ele enxergava. Mestre em três artes marciais — Muay Thai, Jiu-Jitsu e Capoeira — sua vida havia sido dedicada ao combate. Mas, agora, esse domínio das lutas se transformara em uma arma nas mãos de um lunático.
Durante duas semanas, o Rio de Janeiro foi palco de uma série de ataques imprevisíveis e aterrorizantes. Ele agia sempre disfarçado, mudando de aparência com cada novo ataque. Na segunda-feira, era um professor de academia de musculação; na quarta, um entregador de comida; na sexta um cachaceiro errante nos bares, no domingo, um fiel sentado no banco de uma igreja. Mas, apesar das vestimentas variadas, havia um padrão terrível: sempre que estava prestes a atacar, ele gritava, com uma voz que ecoava nas paredes e nos corações: “Ele não prendia, só batia!”.
As primeiras vítimas foram alunos em academias de luta. Ele entrava, observava em silêncio, e no auge da aula, quando a energia estava mais alta, deixava seu grito soar, revelando sua verdadeira natureza. Seus golpes eram precisos, cruéis, mas nunca letais. O terror era sua arma principal, deixando todos atordoados e impotentes, enquanto ele desaparecia na confusão.
Em seguida, os ataques se estenderam para restaurantes. O horário de almoço, normalmente um momento de descontração, tornou-se um pesadelo. Ele entrava, escolhia uma mesa central, e quando todos estavam ocupados com seus pratos, a voz inconfundível cortava o ar: “Ele não prendia, só batia!”. O pânico se instaurava e, antes que alguém pudesse reagir, ele lançava seu ataque, deixando um rastro de caos e medo.
Em bares cheios, em meio à jogos de sinuca e som alto, seu grito e furia retiravam até mesmo a embriaguez de alguns, enquanto deixava vários feridos e desacordados com seus golpes fortes. E o silêncio era precedido pelas sirenes da ambulância, bombeiros e polícia.
Nem mesmo as igrejas foram poupadas. Durante cultos, quando a fé de muitos estava no seu ápice, ele surgia como um lobo entre cordeiros. Sua mensagem era a mesma, e sua fúria, imparável. O sagrado se tornava profano sob seus golpes, e a segurança da casa de Deus se esvaía como fumaça ao vento.
A polícia, perplexa, tentava antecipar seus movimentos, mas ele era um fantasma, desaparecendo tão rapidamente quanto surgia. A cidade, mergulhada no medo, tentava seguir sua rotina, mas o espectro do próximo ataque pairava sobre todos.
Finalmente, depois de duas semanas de terror, o cerco se fechou. Ele havia se tornado previsível em sua imprevisibilidade, e foi traído por sua própria rotina. Um disfarce mal feito, uma escolha de alvo menos cuidada, e a polícia conseguiu rastreá-lo. Cercado, ele ainda lutou, sua fúria se manifestando em cada movimento, mas já não havia escapatória. Os fantasmas em sua mente o haviam traído.
O processo para levar o lunático à justiça foi longo e repleto de reviravoltas. No tribunal, ele parecia distante, como se sua mente vagasse por um mundo que ninguém mais conseguia enxergar. Suas palavras eram confusas, alternando entre o delírio e a lucidez. "Ele não prendia, só batia", repetia incessantemente, como se essa frase fosse a chave para um enigma que apenas ele compreendia.
Psicólogos e psiquiatras foram chamados para avaliar sua condição. Concluíram que ele sofria de um colapso mental severo, possivelmente desencadeado por anos de pressão e abuso físico e emocional que havia enfrentado no passado. Sua obsessão com a frase de Zeca, um sambista famoso do seu Estado, se misturava com memórias distorcidas de um mestre antigo, um homem cruel que o havia treinado sem piedade. Para o lunático, essa figura era um símbolo de autoridade que não protegia, mas infligia dor — uma sombra do passado que ele acreditava estar exorcizando ao cometer os ataques.
A cidade, ainda abalada, seguiu com os procedimentos legais. Havia um clamor por justiça, mas também por compaixão. Muitos reconheciam que, por trás da violência, havia um homem destruído por seu próprio talento, incapaz de suportar o peso de seu próprio poder. Ele foi sentenciado a um hospital psiquiátrico de segurança máxima, onde passaria o resto de seus dias, longe das ruas que ele uma vez aterrorizou.
Mas o impacto de suas ações persistiu. As academias reforçaram suas medidas de segurança, e o treinamento passou a incluir não apenas técnicas de combate, mas também a importância do controle mental e emocional. Restaurantes contrataram seguranças extras, e as igrejas, antes abertas a todos, agora mantinham um olhar atento sobre quem entrava em seus recintos.
Nos anos que se seguiram, o Rio de Janeiro tentou esquecer aquele capítulo sombrio de sua história, mas as cicatrizes ficaram. As histórias sobre o lunático que atacava sem aviso viraram lendas urbanas, contadas em tons baixos em mesas de bar e reuniões familiares. E, de vez em quando, alguém se lembrava da frase que ecoou por toda a cidade: "Ele não prendia, só batia", e um calafrio percorria os ouvintes, como se a sombra daquele guerreiro perdido ainda pairasse sobre a cidade, esperando um novo momento para se manifestar.
Porém, ele nunca voltou. Encerrado em sua cela acolchoada, o homem que um dia dominou três das artes marciais mais letais se tornara apenas uma lembrança. Seus dias se passaram em silêncio, a mente navegando em mares escuros, onde as lutas e os gritos eram os únicos companheiros.
E assim, o Rio de Janeiro voltou a encontrar sua paz, mas não sem aprender que até o mais brilhante dos guerreiros pode ser consumido pelos próprios demônios, deixando um legado de medo e alerta eterno.