Deformado
O peso dos acontecimentos dos últimos dias na vida pessoal de Matias o fazia se levantar da cama pesaroso àquela manhã. Na verdade, queria permanecer deitado, remoendo autopiedade. Atribuía a rejeição sofrida daquela atendente da farmácia ao seu rosto, por ser este deformado. Considerava-se educado, inteligente, gentil, era asseado, vestia-se bem; portanto, apenas a aparência da sua face podia explicar uma vida inteira de rejeições sofridas das mulheres.
Sentado na cama, Matias refletia, e, ao mesmo tempo, sentia-se envergonhado de si mesmo. “Há tanto sofrimento neste mundo, como poderia se sentir um coitado? Existem pessoas com dores infinitamente maiores”. Se fracassara com as mulheres, vencera em outros campos da vida: acadêmico e profissional.
Estava só aos 35 anos - sonhara desde a adolescência que já seria pai de duas filhas a essa altura da sua vida. “Quantos homens sonhavam em ser pai de duas meninas?”, questionava-se e esboçava um sorriso triste com o canto direito da boca.
O dia precisava começar, pois haviam muitos afazeres!
Enquanto preparava o seu café da manhã sua mente divagava: “Não era o fato de estar só naquele momento específico, mas o fato de estar só por quase toda a vida”. Tivera poucos relacionamentos com as mulheres, por mais que ansiasse por isso. O peito lhe doía perpetuamente.
Matias se irritava com o fato dos seus poucos amigos não o entenderem, e sempre surgia alguém com o cretino e batido conselho: “Ainda vai aparecer alguém para você”.
Era nesses momentos que ele se segurava para não ser grosseiro – mantinha a educação com muito esforço.
O café da manhã pronto consistia em: café com leite, dois ovos fritos, três pães de forma, uma maçã e um pequeno copo de suco de laranja. Aquilo lhe faria ficar fato até o almoço.
Considerava o banho matinal revigorante e maravilhoso, enquanto refletia sobre as próprias agruras, claro!
Banho concluído, café tomado, roupa vestida. Era hora de sair para o trabalho. Enquanto dava uma última olhada no espelho do banheiro, apoiava as duas mãos na pia e olhava hipnoticamente o reflexo do seu rosto. Como o odiava. Os cabelos negros estavam lá, as marcas deixadas pelas acnes também, o nariz pouco afilado, os lábios curtos cobriam os dentes brancos alinhados. Respirava pesarosamente. Mais um dia.
Esperava que naquele dia continuasse a manter o seu autocontrole. Apesar da profunda tristeza pessoal, procurava ser educado com todos. O fardo era seu e não transferiria a sua dor para ninguém, nem para as mulheres, que tanto o desprezavam.