Baile De Máscaras

A primavera iniciava naquele ano de 1961. O tradicional baile de máscaras estava acontecendo. Ela estava sozinha, observava o movimento. Nem sabia porque gostava tanto daquele baile. Talvez porque ali as pessoas usavam máscaras mais bonitas que no dia a dia. Agora sabia quantas máscaras eram usadas por baixo daquelas. Quantas pessoas vivendo fantasias, mostrando ser o que não eram. Quantas pessoas se iludindo, enganando o outro. Sociedade hipócrita, pessoas vazias. Estava confusa. Não estava certa do que lhe aconteceria dali por diante. Talvez dias decisivos. Tantas coisas perderam a razão. Deixou de viver tantas situações que poderiam ter lhe feito feliz, tantas aventuras e tanto prazer. E se privar de tudo isso já não fazia o menor sentido. Se pudesse viveria naquela noite tudo o que não viveu em seus vinte e oito anos. Arrependimentos tardios não são eficazes… Quem sabe o que aquele baile que tanto amava lhe reservava.

Pouco depois um homem se aproximou. Puxou conversa e se sentou. Ela falou de seus pensamentos, do baile e ele lhe falou de sua vida, de seus sentimentos e de sua recente viuvez quando sua esposa faleceu no parto levando junto sua amada filhinha. Foi tão estúpido e trágico. Havia ocorrido há cerca de um ano. Desde então ele se sentia vazio. Estava morando na cidade há seis meses. Resolveu mudar pra tentar recomeçar. Ela disse que não importava onde estivesse, seus sentimentos o acompanhariam. Filosofaram e foram psicólogos, sociólogos e guias espirituais um pro outro. Por fim ela disse:

—Por que dar tantas voltas e falar tanto se o que quer é me tirar pra dançar?

—Na verdade eu nem sei dançar muito bem. Posso pisar no seu pé.

—Pois pode pisar. Tudo o que eu não quero neste baile é tomar um chá de cadeira. Quero dançar, quero ter a sensação de ser feliz. Eu preciso. Talvez não tenha muito tempo.

Eles dançaram, se tocaram, se beijaram. Era como se há muito se conhecessem. No final do baile ela o acompanhou. Acabaram chegando na casa dele. E num tempo em que uma moça de família se preservava, ela se entregou, se enfiando na sua cama. O dia já estava amanhecendo quando ele adormeceu. Horas depois acordou, ela não estava mais lá. Sua máscara ficou esquecida sobre a cama. Ele se levantou e procurou por ela. Tinha desaparecido. A porta estava fechada por dentro. Não entendia como saiu. Dela só sabia o nome e onde trabalhava. Foi só o que falou de si. Nada perguntou sobre ele.

Os dias passavam e ele não conseguia parar de pensar naquela mulher tão cheia de mistérios, desinibida, inteligente e cheia de sabedoria. Restava-lhe a máscara que ela usava. Resolveu ir até a Escola Normal e esperar que ela saísse. Os alunos, professores e funcionários saíam e nada dela aparecer. Ele entrou e perguntou por ela. A diretora e a secretária se assustaram e se entreolharam. A diretora disse:

—Você é parente dela?

—Não. Eu a conheci no baile de máscaras há uma semana.

—Como? Você deve estar brincando.

—Por que brincaria? Ela me disse que é professora aqui.

—Sim ela foi professora aqui. Mas ela não pode ter ido ao baile de máscaras pois faleceu há pouco mais de um mês.

—O quê? Agora a senhora é que está brincando comigo. Eu estive com ela, dançamos, nos beijamos, nos…

—Você deve tê-la confundido com outra pessoa. Ela gostava muito do baile de máscaras. Já estava com tudo preparado, vestido, máscara, esperava ansiosamente pelo dia. Mas de repente adoeceu e faleceu em uma semana. Então não pode ter ido ao baile.

—Não confundi com outra pessoa. Tem uma foto dela aí?

—Você é insistente, mas temos uma foto dela.

—Foi exatamente com ela que estive no baile. Usava esta máscara. — ficaram atônitas

—É uma máscara igual a que ela iria usar. Ela foi enterrada com o vestido do baile e com a máscara ao lado. Esta não pode ser a dela. É uma máscara muito parecida. E se nos dá licença, precisamos ir embora.

Ele agradeceu e saiu. Não sabia o que pensar. Estava confuso. Andava sem rumo pensando na noite do baile e no que viveu com aquela mulher. Estremeceu ao pensar no que a diretora lhe falou. Como podia ser verdade? Será que foi só um sonho o que viveu? Não podia ser. Foi muito real. Ele sentia que ela estava em todos os seus poros, a sensação era que estava dominado por ela e chegava a sentir sua presença em alguns momentos. Ainda sentia o gosto de seus beijos, de seu corpo, ainda sentia o seu perfume e todo o seu fogo dizendo que queria viver naquela noite o que não viveu em toda a sua vida.

Os dias se arrastavam e ele tentava entender os acontecimentos. Muitas vezes pediu que sua mulher se comunicasse, que se materializasse e falasse com ele, falasse sobre a filha que estava ao seu lado. Chegou a procurar alguns espíritas para que houvesse alguma comunicação. Nem ele entendia porque fazia aquilo se não era um homem que acreditasse nesse tipo de coisa. Talvez fosse o desespero que sentia. E agora viveu uma situação tão inusitada e não tinha como explicar ou saber se foi real ou só um transe espiritual. Bebeu pouco naquele dia, apenas dois drinques. As lembranças e a obsessão por encontrar uma explicação lógica estavam o enlouquecendo. Mais uma vez procurou ajuda entre os espíritas. Conversaram muito com ele tentando acalmar seu coração.

—Somos feitos de energia, o universo é feito de energia. Apesar de sermos energia somos matéria. Por que um espírito não pode se materializar se também é energia? Você buscou muito tempo por comunicação com sua falecida esposa. O que acredito é que ao encontrar aquele espírito materializado suas energias se atraíram. Você buscava comunicação e ele também. Acabaram se encontrando e ele se utilizando disto pra satisfazer seus desejos e sonhos que não conseguiu realizar neste plano. Queria com todas as forças estar naquele baile, fazer o que não fez antes de desencarnar, viver uma aventura, um romance. Quando cruzou o caminho dela foram atraídos de maneira irresistível. E tudo aconteceu como num sonho.

—Você não acha muito fantasiosa esta explicação?

—Eu não te procurei pra falar nada ou dar explicação sobre o que viveu. Foi você que veio nos procurar e contar sua história. Eu falo do que acredito, do que conheço através de estudos. Acreditar ou não é com você. Se não acredita, por que nos procurou?

—Desculpe. Não queria ofender. Eu estou muito confuso. E sempre acreditei na ciência e em Deus. É muito difícil para meu intelecto aceitar fenômenos assim.

—Você buscou se comunicar com sua esposa falecida por um bom tempo. Por que se é difícil para seu intelecto aceitar?

—Talvez eu quisesse me agarrar à esperança de poder vê-la mais uma vez. Ver minha filha que viveu apenas algumas horas, mas que eu já amava tanto.

—Geralmente pessoas incrédulas não tentam se agarrar a esta esperança. Não tem mais o que eu possa falar. Você viveu um fenômeno talvez raríssimo, mas que eu acredito que pode acontecer. Tanto pode que aconteceu com você. Era pra você estar ali naquele momento. Agora, siga sua vida. Fique com o que aconteceu apenas na lembrança. Deixe que sua esposa, filha e esta mulher tenham paz para seguir a vida na dimensão em que estão. Não fique invocando a presença de nenhuma delas. O que tinha que ser já foi.

—Eu queria conversar com elas só mais uma vez. Perguntas que gostaria fazer. Dúvidas que preciso dissipar.

—As coisas não acontecem quando você quer. Não é você que precisa se comunicar. Se elas precisarem e quando puderem, vão se comunicar. Repito, siga sua vida. Ore por elas. Faça as perguntas que quiser e ouça seu coração. As respostas vão chegar. Você está vivo, está nesta dimensão. Viva entre os seus iguais. Procure amigos e amores entre seus semelhantes. Logo ali pode ter um amor te esperando, um filho esperando para vir ao mundo. Não se prive e nem prive ninguém de cumprir seu destino. Vá em paz.

—Vou tentar entender e viver o que disse. Eu precisava muito ouvir isso. Obrigado!

Ele saiu caminhando devagar. Tirou do bolso a máscara e a olhou demoradamente. Guardaria pra sempre consigo. Sentia o coração em paz, o espírito sereno, a alma leve…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 13/08/2024
Reeditado em 18/08/2024
Código do texto: T8128162
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