A tartaruga de chifre
A casa tinha sido comprada fazia alguns anos pelo patriarca da família, um senhor que saiu da Bahia viúvo com um punhado de crianças pequenas para terminar de criar sozinho. Trabalhou de tudo, de vendedor do doce biju até segurança de uma empresa de tabacos, tudo para dar o melhor para sua família. Ficaram com ele três filhas, de sete filhos no total, e assim que a mais velha começou a trabalhar, ele passou a desacelerar no trabalho e já planejava a aposentadoria.
Ele viveu até a idade de 90 anos, e a morte dele causou uma ruptura na família, principalmente na filha mais velha. Esta começou a ter um comportamento fora do normal e isso deixou todas as irmãs em alerta. Dizia que sua irmã do meio queria o mal dela, que fazia magias e toda insanidade que se possa imaginar, gerando grandes brigas naquela casa que um dia fora tranquila.
Elas possuíam muitos animais, e os mesmos passaram a morrer sem causa aparente, inclusive uma tartaruga, que, com fama de ser centenária, não passou de alguns anos. Todos os animais que foram falecendo eram enterrados no grande quintal que ficava dentro da casa, um bom lugar de descanso, já que o jardim era florido e, em algumas partes, tinham árvores frutíferas.
Um dia, a irmã do meio, deitada em sua cama, ouviu um barulho de alguém cavando e uma gritaria. Correu até a grande porta que dividia a garagem do quintal lateral e viu sua irmã mais velha aos berros, com uma pá na mão, destruindo todo o jardim à procura de algo que ninguém sabia. Ao se aproximar dela, a mesma, com um olhar de pura loucura, gritava:
- Eu irei encontrar a tartaruga que você enterrou com meu nome! Ela apareceu para mim com chifres, me dizendo que você fez magia para me matar. Enterrou meu nome com ela, grudado em seu casco, eu vou achar!
Assustada, sem saber o que fazer, foi chamar uma vizinha que era uma mãe de santo conhecida. Explicou o que estava acontecendo, que sua irmã estava possuída. A mãe de santo, ao chegar no quintal, colocou sua mão sobre a cabeça da irmã mais velha e, fazendo uma oração em uma língua que não se reconhecia, tirou a mesma do transe em que estava!
Sem dizer uma única palavra, a mãe de santo se virou e foi embora. O quintal todo revirado e, no meio de terra, flores e frutos, o corpinho da tartaruga jogado, sem chifres e sem nenhum nome junto ao seu casco, apenas o que haveria de ser encontrado.
Passadas algumas semanas, a irmã mais velha juntou suas coisas e foi embora sem se despedir de ninguém, apenas foi embora. Ela saiu por uma porta e a ordem de despejo para a família entrou por outra. Em uma atitude sem precedentes, a irmã mais velha, que possuía a escritura da casa em seu nome, a vendeu com sua família dentro, sem avisar. A família tinha alguns dias para sair da casa própria deixada pelo pai delas. Foram morar na pior casa da rua, nunca conseguiram ter sua casa de volta e nunca mais tiveram notícias de sua irmã que causou toda essa situação de perda.
Será que a tartaruga que ela via disse somente do nome junto ao seu casco, ou deu ordens para ela destruir sua família e o lar que um dia fora seu?