O assassino, e a sua vítima, e o chefe do assassino, e o cabeça do chefe do assassino. Triler de suspense policial, político e psicológico.
Aviso importantíssimo: Esta obra é uma ficção imaginada pelo escritor que a escreveu, em folhas de sulfite, com uma caneta esferográfica azul de ponta fina e uma lapiseira de ponta fina mais fina do que a ponta fina da caneta esferográfica azul de ponta fina que usou para escrevê-la. Quaisquer parecenças entre as suas personagens, que são fictícias, e pessoas de carne e osso, e semelhanças entre os eventos, que também são fictícios, aqui narrados e fatos acontecidos neste ou naquele país tropical são nada mais e nada menos do que coincidência fortuíta e inexplicável.
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Capítulo Primeiro - A cidade em que vive a personagem que primeiro aparece nesta história cuja redação começo aqui.
A cidade, de mais de três séculos de existência, litorânea, é maravilhosamente adornada com belas paragens naturais, agraciada com praias magníficas, de fazer inveja às praias de outras cidades litorâneas; localizada nos trópicos, durante quase os doze meses do ano o Sol ilumina-a, criando condições favoráveis e benéficas à vida dos seus moradores e de pessoas provenientes de outras localidades, próximas e distantes, que em fluxos constantes e ininterruptos para ela convergem. Tem características sociais comuns às cidades de países de equivalente padrão de desenvolvimento econômico e social: em certos bairros, os privilegiados de berço, os herdeiros de nomes seculares, de famílias centenárias abastadas; em outros, as favelas, amontoam-se e atropelam-se os desprivilegiados, que não usufruem de padrão de vida condizente com o que atende o mínimo de recursos que aos humanos oferecem dignidade.
No parágrafo anterior, o primeiro desta emocionante aventura dramática e trágica repleta de ingredientes doces e salgados e agridoces durante o decurso da qual desenrolam-se as teias intrincadas de uma trama policial de embasbacar os fãs de Sherlock Holmes, Hercule Poirot e Maigret, o leitor leu o pouco que tinha para ler, e foi pouco o que leu porque nele pouco escrevi.
E encerro, aqui, o capítulo primeiro.
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Capítulo Segundo - A personagem cuja vida o destino decidiu ceifar violentamente.
Viu o leitor que o capítulo primeiro é curto, demasiadamente curto, exageradamente curto - e é curto porque não procurei descrever, minuciosamente, por desnecessário, a cidade onde se desenrola a trama sofisticada cujo desenvolvimento o leitor atentamente acompanha. E pergunta-se se o capítulo segundo e os subsequentes serão igualmente curtos, e fica à espera de uma resposta do autor (que sou eu), que não se ocupa de apresentar-lha.
E entra em cena o herói desta aventura, herói trágico: atende ele pelo nome Marcantonio Florentino. É um homem de estrutura delgada, ligeiramente esquelética, de aparência frágil, feminil. Emoldura-lhe a cabeça uma cabeleira leonina acobreaba. É sua pele de jambo, entre o esmaecido e o fosco, realçado por uma demão de creme marrom-esverdeado da tonalidade de verde-abacate misturado com argila orgânica produzida com ingredientes exclusivamente veganos. É ele, um político bissexto, vereador do mais inferior dos pisos subterrâneos da câmara municipal, um sujeito verdadeiramente insignificante, destituído de charme, de elegância, de graça, de carisma, de destreza para se desincumbir dos afazeres da vereança (os quais, aliás, não ignoram os atentos à vida política citadina, ele desconhece por completo) - conquanto seja um zero à esquerda, representará, após o evento que é o ponto nuclear desta instigante trama, o papel principal, cujo fim trágico irá inspirar a ação de personagens importantes da política, da história, da cultura e da arte nacionais do país tropical que é o seu berço. Veio de baixo: é a sua origem obscura. Segue à risca o figurino do tipo humano idealizado pela cultura vigente; atende as diretrizes inscritas na agenda das gentes poderosas que determinam os rumos da civilização. E é ele o herói desta história. Não sei se faço bem ao dá-lo como herói - espero que o leitor, que me lê, não pense que estou a indicar que é ele herói na acepção comumente aceita, a popularizada; eu o dou por herói porque é ele a personagem central desta aventura, embora dela ele pouco participe, afinal, ele morre tão logo nela dá as caras.
Com esta digressão - uma das não sei quantas que aparecem nesta curta narrativa, curta de palavras, poucas, menos de dez mil, mas larga de vista e extensa de perspectiva, digo, sem falsear a modéstia -, encerro, para iniciar o capítulo terceiro, este capítulo, que é o segundo, com este ponto final.
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Capítulo Terceiro - O assassinato de Marcantonio Florentino.
Principio o capítulo terceiro narrando eventos que se sucederam, durante uma noite tempestuosa, na cidade litorânea em que esta história se desenrola rapidamente. Rapidamente, não: na velocidade ordinária dos ponteiros do relógio.
Ia Marcantonio Florentino, só, coberto com uma capa-de-chuva amarelo-alaranjada salpicada de círculos pretos e brancos, seus pés encorpados e disformes protegidos por botas de couro pesadas, empunhando um guarda-chuva preto com quatro faixas cinzas, temerário, a enfrentar a catadupa, que escapava das comportas celestes que São Pedro abrira para descarregar na Terra o excesso de água que perigosamente transbordava do céu, e os raios, que, furiosamente ameaçadores, fendiam o céu, iluminando-o com tanta luz que atormentava até os cegos, e os trovões, que faziam a terra tremer e as árvores guincharem. Seguia por uma rua estreita, em declive, e por calçadas ainda mais estreitas do que a rua pelas quais mal e mal passam lado a lado duas pessoas finas de pequena estatura (desde que lhes não tenham de compartilhar da largura estreita com um poste) cujos corpos lhes ocupam pouco, ou nenhum, espaço. Caminhava, cuidadoso, com cautela extrema, enfrentando a correnteza que se formou sobre a rua e cujas ondas invadiam as calçadas. Com destreza de exímios contorcionistas, acrobatas, e jogadores de futebol de várzea, que não raro têm de se verem com cupinzeiros, correições de saúvas, ninhos de tatu e outros acidentes geográficos inusitados, evitava os buracos, inúmeros, que se lhe apresentavam ameaçando-o pô-lo estirado no chão e lançado à fúria das águas invencíveis, que o arrastariam rua abaixo. Descia à rua sempre que a calçada se lhe revelava intransitável, isto é, de quatro em quatro metros. Sem se afadigar, seguia o seu caminho, sem contratempos além daqueles com os quais já se havia familiarizado. Aquela noite, no entanto, reservava-lhe uma surpresa, com a qual ele não contava, mas que, todavia, não o surpreendeu, não de todo, pois as suas ações políticas e as suas relações sociais um dia, mais cedo ou mais tarde, poderia pô-lo na situação na qual dali a pouco se veria.
Estava para dobrar uma esquina quando o grito berrante de uma freada indiscreta, agressiva, atrevida, atraiu-lhe a atenção; e mal havia se voltado para o lado do qual aos ouvidos lhe chegara o rascante grito de pneus no asfalto, de um carro azul-prateado sem placas saiu Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo, cuja figura amorenada, cabeça desértica e barba desgrenhada, desgraciosa, grotesca, conhecia de outros carnavais, um revólver em punho, preparado para apertar o gatilho, e alvejá-lo à queima-roupa, sem que da tempestade tomasse conhecimento.
Marcantonio Florentino antecipou em imaginação os eventos que se seguiriam. Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo dele se aproximou.
Marcantonio Florentino deteve-se, abandonou o guarda-chuvas - que bateu asas, e voou, célere, para bem longe -, e cerrou as pálpebras.
E ouviu-se duas detonações.
E o corpo de Marcantonio Florentino despencou, pesadamente, sem vida, no chão. E a enxurrada arrastou-o até um muro, contra o qual, pressionando-o, esmagou-o.
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Capítulo Quarto - A acusação.
Mal esfriara o cadáver de Marcantonio Florentino, políticos, antes, mesmo, de qualquer investigação policial - que ainda não havia se iniciado, e cujo princípio talvez não se concretizasse pelas razões as mais diversas, as mais inusitadas e as mais comumente alegadas, que iam desde a escassez de recursos até o desinteresse puro e simples, passando pela má-vontade política e pelo corpo-mole -, ao entenderem que a tragédia render-lhes-ia dividendos políticos, espalhariam uma história que daria o que falar nos anos que se seguiriam: o político Jesualdo Mendonça Beltrão matou o infortunado Marcantonio Florentino. Com tal história, destruiriam a reputação de um político popular e criariam um símbolo ao redor do qual orbitariam nulidades desgraciosas, verdadeiras monstruosidades morais que brotam do chão com igual abundância das ervas daninhas e com superior capacidade de destruição.
Seria a repercussão da tragédia nacional, não porque era o vereador personagem relevante - ele era um reles bípede, tipo insignificante -, mas porque as circunstâncias, fortuítas, iriam pô-lo no centro de uma trama diabólica de uma história macabra da qual ele seria o protagonista póstumo; morto e enterrado, ele conquistaria uma importância que jamais teria em vida.
No necrotério, um político, Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, sujeito magriço, de cabelos ensebados extraordinariamente brilhantes cobertos com duas demãos de tinta - purpurinada, dir-se-ia - puxados para a nuca, proferiu, com a força de seus pulmões, uma catilinária oligofrênica que o alçou à condição de uma autoridade sapiencial que superava à dos sábios do Antigo Testamento. A sua logomaquia inspirou lágrimas aos que o ouviram sem que tivessem compreendido sequer uma de suas palavras, que foram muitas e que compreendiam um discurso bombástico. E outro discurso dele, que em capítulo à frente reproduzirei, seria o epicentro de tremores de terras que chacoalhariam o país - e é o país, no qual tal história se passa, tropical, digo, se ainda eu não disse - cuja história nunca mais seria a mesma.
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Capítulo Quinto - Uma observação necessária.
No capítulo anterior informei: é o país onde se deu o assassinato de Marcantonio Florentino tropical, chamando a atenção para tal informação, pois, entendia eu, eu a havia negligenciado, certo de que - e certo eu pensava que eu estava - o leitor a desconhecia.
Perguntei-me, assim que encerrei o capítulo quarto, se eu havia apresentado alguma informação acerca da localização geográfica do país em questão, se é ele ou da zona temperada, ou da zona austral, ou da zona tropical, ou de qualquer outra zona, e consultei as primeiras palavras deste relato, e vi que do pais não falei, mas da cidade litorânea, cenário desta história, nele contida, sim: é ela litorânea e tropical. Se está a cidade nos trópicos, então o país que a contêm no trópico há de estar, se não todo o seu vasto território, seis sétimos dele, ou sete oitavos, ou nove décimos, não sei ao certo. Então, se tal informação já era do conhecimento do leitor, e do leitor era afinal eu tratei de informar-lha, perdi meu tempo informando-o, no capítulo quarto, que é o país tropical, e, pior, perdi o meu tempo, e o leitor perdeu o seu - e os nossos tempos são preciosos -, eu ao escrever este capítulo e o leitor ao lê-lo.
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Capítulo Sexto.
Chegamos ao capítulo sexto do drama, que aqui conto, que gradativamente se desenrola, e, desenrolando-se, revela-nos as suas personagens.
Avança a trama, que está bem exemplarmente arquitetada.
Intensifica-se o suspense.
Cria-se o mistério: Quem matou Marcantonio Florentino, vereador, que não fedia e nem cheirava, da cidade litorânea que, de tão maravilhosa, é cantada, em prosa e verso, por prosadores e poetas, bissextos uns, outros não?
De tão empolgado com a narrativa, que me esqueci de dar um título para este capítulo, que ora escrevo. Melhor: esqueci-me de à abertura do capítulo deste escrever o título, que está na ponta da minha língua, que não é comprida, e nem curta é: O psitacismo. Assim que eu conheci a palavra psitacismo, que me foi apresentada não sei dizer por qual escritor, pensei em pássaro, suspeitando que ela era o nome de alguma criatura aérea. Dela eu desconhecia o significado, e como na frase em que o escritor, cujo nome não registrei, usou-a ela não quer dizer pássaro, tampouco o que quer que seja que se relacione com ornitologia, deduzi, e corretamente, que ela não é o nome de nenhuma espécie de pássaro, e decidi, prudentemente, consultar o Aulete, o Aurélio e o Bueno. E a lição que eles me prestaram foi-me proveitosa: não há relação entre "psitacismo" e "calopsita", palavra, esta, nome de um pássaro extravagante e exibicionista, que eu havia, digo, agora, associado a psitacismo. Por que o fiz, não sei.
Aqui não transcrevo o discurso de Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, o político que se aproveitou da ocasião providencial para tirar proveito político. De tão verborrágico ele foi, e tão repletas de rancor, de ressentimento e de ódio estavam embebidas as suas palavras, e tantas mentiras contou, e tantas alcunhas pejorativas e depreciativas proferiu, e tanta maledicência defecou, e tamanha fúria animalesca exibiu, que pouparei ao leitor leitura tão enervante, tão... tão sei lá eu o quê. Fugiram-me as palavras.
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Capítulo Sétimo - O velório e o discurso.
Se houve um assassinato, há um assassino; e há um assassinado. O
assassino e o assassinado os conhecemos: aquele é Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo; este, Marcantonio Florentino, político insignificante, que quase ninguém conhecia, cujo nome, devido ao discurso do inescrupuloso Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, correria mundo.
O caso espalhar-se-ia como um rastilho de pólvora e adquiriria alta octanagem política. Em sua origem era apenas, e unicamente, e nada mais, e nada demais, do que um estalinho, que, arremessado contra o chão, ou contra a parede, ou pisado, eclode, produzindo um traque inofensivo para divertimento das crianças, que gargalham a assustar gente desatenta, gatos e cachorros; todavia, nas mãos de políticos inescrupulosos, iníquos, imorais, oportunistas, que se aproveitam de todos os eventos, convertendo-os em armas políticas, transformar-se-ia em um artefato atômico cujo poder poderia devastar a reputação de políticos proeminentes, dos mais destacados e populares do país tropical. E como arma política o assassinato de Marcantonio Florentino transformar-se-ia num símbolo universal de um espectro político revolucionário.
No velório de Marcantonio Florentino subiram no palanque políticos, que proferiram, eloquentes, indignados, com oratória sedutora, discursos que alcançaram ressonância nacional; um deles, o mais retumbante e loquaz e persuasivo de todos os que se pronunciaram, o nosso já conhecido Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, a exibir sua indefectível magreza e seus inconfundíveis cabelos ensebados penteados para trás, brilhantes de tão exageradamente cobertos de tinta, assumiu a palavra - e os olhares das pessoas, centenas, familiares e parentes e amigos mais próximos do falecido, a removerem as lágrimas pesarosas de seus rostos sofridos,presentes no recinto, convergiram para ele, e dezenas de câmeras estavam dispostas de modo a captarem-lhe a figura pelos ângulos que mais lhe favoreciam a imagem -, e, sem titubear, proferiu, estentórico:
- Neste momento de insuportável sofrimento, nesta hora mais escura, neste dia de tristeza esmagadora, nesta era de indignação, não podemos esmorecer, não podemos nos calar, não podemos nos curvar diante da injustiça que um homem desumano perpetrou. Um crime foi cometido: um assassinato! Um crime hediondo! Um homicídio! Uma pessoa assassinada: o nosso amigo, o nosso querido, adorado, fiel companheiro, homem nobre, de caráter imaculado, de coragem imarcescível: Marcantonio Florentino, político promissor, com um futuro vitorioso pela frente, que lhe estava predestinado, dono de um potencial que superaria todos os obstáculos que lhe pusessem no caminho e que o conduziria, fatalmente, à presidência da república. Perdeu a vida o nosso querido amigo; mas a vida não o perdeu. Não o perdemos! Ele vive em nós! Ele vive em nossos corações! Ele vive em nossos pensamentos! A tragédia que lhe roubou o futuro de sucesso que lhe estava destinado não a esqueceremos. Não será esquecida! Não permitiremos que a história a esqueça! Estará registrada, nos anais da história nacional, quiçá da universal, no seu capítulo mais importante, mais emblemático, mais significativo. Não será varrida para debaixo do tapete! Não permitiremos que o assassino fique impune! Não permitiremos! Sabemos quem matou o nosso querido e amado amigo, o nosso Marcantonio Florentino. Sabemos quem o matou. Sabemos quem apertou o gatilho do revólver que o roubou à vida. Sabemos quem atirou em Marcantonio Florentino, nosso querido amigo, alvejando-o, matando-o. Sabemos quem o matou! Sabemos! Não percamos o nosso tempo à procura de nomes: o do assassino de Marcantonio Florentino já o temos, e o homem que atende por tal nome é a única pessoa interessada na morte do amigo de todos nós, amigo que ora velamos e cuja morte trágica choramos. Que a nossa tristeza, que a nossa dor, dor pungente, não nos tire o ânimo de buscarmos a justiça, de punirmos, com o rigor da lei, o assassino! A nossa indignação nos fortalece e há de revigorar-nos o espírito ora abalado pela tragédia. Iremos até o inferno, se de nós a vida o exigir, para provar, e com provas irrecusáveis, incontestáveis, irrefutáveis, que o dedo que puxou o gatilho do revólver que disparou os projéteis mortais que roubaram à vida e ao nosso convívio o nosso querido amigo pertence a Jesualdo Mendonça Beltrão, homem inescrupuloso, cuja ambição política não encontra limites e não conhece obstáculos, homem que, se não consegue remover os obstáculos que tem diante de si, elimina quem lhos pôs à frente. E foi o que ele fez com o nosso amigo, o nosso querido e amado Marcantonio Florentino. Provaremos a autoria do assassinato! Os investigadores da Polícia Nacional já principiaram o recolhimento, e a reunião, das provas que incriminarão o meliante. Tal dia está próximo. Em breve teremos notícias alvissareiras. Em breve teremos o justo prazer de assistirmos à prisão do assassino do nosso querido Marcantonio Florentino. Logo veremos o seu assassino atrás das grades. Aos familiares, os meus sentimentos. Que Deus a vocês dê forças para superarem este momento de sofrimento intenso. Meus sentimentos. Acolham-me os pêsames.
Assim que encerrou o discurso, a transparecer no rosto contagiantes e dolorosas amargura, tristeza e pesar, lágrimas a se lhe escorrerem pelo rosto sofrido, saudou, calorosamente, com amplexos apaixonados, os familiares de Marcantonio Florentino. E tão logo retirou-se do velório, seu rosto, entenebrecendo-se, transpareceu o ar maléfico, diabólico, sádico, que lhe recheia o espírito, um sorriso satânico a ataviá-lo demoniacamente.
Correram mundo a pergunta: "Quem matou Marcantonio Florentino?" e a resposta: "Jesualdo Mendonça Beltrão."
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Capítulo Oitavo - O assassino, capturado.
Não detalhei, no capítulo anterior, porque desnecessário, a investigação policial e, menos ainda, as provas recolhidas pelos investigadores da Polícia Nacional do País Tropical.
É importante saber que imvestigadores investigaram o assassinato de Marcantonio Florentino.
O leitor já sabe das atividades da Polícia Nacional do País Tropical, afinal eu disse, pela boca de Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, que ela principiara a investigação. Mas ainda não descrevi a ação dela à captura do assassino; tal evento eu o conto neste capítulo, que é o oitavo.
Que o leitor prepare o coração, pois a cena que narro e descrevo, tão impactante, tão chocante, que lhe roubará o fôlego, tirar-lhe-á a paz de espírito, obrigando-o a suspender a respiração e pôr as mãos ao peito, a esquerda sobre a direita, ou a direita sobre a esquerda, para impedir o coração de, a cabriolar escoiceando aos pinotes, saltar para fora do tórax. É a cena que o leitor irá ler indescritível, inenarrável, de tão espetacularmente extraordinária. Se indescritível, se inenarrável o episódio, por que eu a descrevo e narro? Para que o leitor tenha alguns momentos de emoção inesquecíveis, tão inesquecíveis que jamais irá esquecê-los.
Na delegacia da Polícia Nacional do País Tropical, um corre-corre caótico, policiais azafamados a prepararem-se para a ação, que seria espetacular, de captura do assassino de Marcantonio Florentino. Espetacular, e midiática.
Assim que recebeu dos investigadores o paradeiro do meliante mais procurado do país tropical, tratou o delegado de contatar a imprensa, e dar-lhe a hora e o local da ação policial de captura e consequente prisão dele. De vários pontos da cidade, repórteres e câmeras convergiram para as vizinhanças do local onde, sabia-se, homiziava-se o homicida. A cena, cinematográfica, seria transmitida, ao vivo, para todo o mundo. Uma fileira de viaturas policiais, cuja tripulação era composta exclusivamente por homens corpulentos armados até a raiz dos dentes - amarelados, os de quase todos eles -, a anunciarem-se com sirenes extrovertidas, corriam, sebo a untar-lhes os pneus, celeremente aceleradas, como se estivessem para a hora da morte, à captura do homem mais procurado do universo. Enquanto isso, em um estúdio de telejornal, Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco preparava-se para, assim que os policiais, capturado o criminoso, exibissem-lo para as câmeras, entrar, ao vivo, e em cores, via televisão, e sem pedir licença aos da poltrona, na casa de milhões de pessoas, e, a simular, ou não, alegria e felicidade contagiantes, descarregar uma filípica e uma catilinária demolidoras que reduziriam o alvo de sua oratória às dimensões de um verme asquerosamente repugnante - em imaginação antevia, a prelibar de prazer inexcedível, a fisionomia envergonhada, humilhada, assustada, sem pé nem chão, de quem ele desancaria, ao vivo, sem pena nem dó, e o alguém que ele iria demolir seria, ninguém mais, ninguém menos, do que Jesualdo Mendonça Beltrão.
Pelas ruas e avenidas, veículos abriam espaço para as viaturas policiais, que atraíam a atenção dos pedestres, que se detinham e, com os olhos arregalados, perguntavam-se, intrigados e ensimesmados, cada um para si mesmo e uns para os outros, o que se passava. Algumas pessoas cuidaram contar quantas eram as viaturas policiais: quarenta e oito. Dentre as que não as contaram, estavam as que declararam que todas as viaturas policiais da cidade iam, em procissão, empreender uma operação das grandes, das de fazer parar o trânsito, mais, o mundo, e, ansiosas, na expectativa, aguardavam o desenrolar dos eventos, e as notícias, que lhes chegariam, fatalmente, quisessem ou não, ao conhecimento, sabiam.
Um evento que mobilizou um batalhão de policiais não passaria em nuvens brancas; dele todos saberiam - e quanto mais cedo melhor, para que menos pessoas morressem de ansiedade.
Assim que se aproximaram do paradeiro do assassino de Marcantonio Florentino, os policiais saltaram das viaturas policiais, e formigaram-lhe as redondezas, cercando-o. Era uma casa rodeada de muros de tijolos nus - e no muro frontal havia, cravada, uma caixa de correio, de ferro, quase que inteiramente enferrujada. As telhas do seu teto, envelhecidas, e uma e outra quebradas; a sua porta dianteira, de madeira, quase que totalmente comida de cupins e carunchos, estava juncada de sujeiras; a janela que ladeava a porta contava com dois de seus cinco vidros quebrados.
Os jornalistas acompanhavam, ansiosos, a cena. Dos olhos clínicos deles nenhum detalhe escapava: minuciavam as descrições, pormenorizando-as com detalhes enervantes. Louvavam os policiais, e os investigadores, que haviam resolvido caso tão importante, tão emblemático, tão trágico, tão particularmente significativo.
Policiais, rifles e submetralhadoras (e não guarda-chuvas e tripés) em punho, embrulhados com uma vestimenta de intimidar todo e qualquer homem, até o mais bravo, feio, bruto e destemido deles, escalaram os muros que confinavam a casa, um tugúrio fantasmagórico, num quadrado minúsculo, pularam para o quintal juncado de tranqueiras, e violaram a fechadura da porta lateral da casa, enquanto outros policiais quebraram a da porta do muro dianteiro a segui-los um câmera, que filmava a cena, e bem de perto, bem perigosamente de perto dos policiais, cena que as emissoras de televisão transmitiam para todo o orbe terrestre e para, diria José Carlos da Silva Quinha, jornalista de mão cheia, todos os outros orbes deste e de outros universos conhecidos e desconhecidos. Na sequência, alguns policiais escalaram a casa e subiram ao telhado, enquanto outros na casa entraram pela porta da frente, e outros pelas portas laterais, e outros pela porta dos fundos, todos eles abrindo as portas aos pontapés, escancarando-as, e aos berros se anunciando, e derrubaram estantes, mesas e cadeiras, e foram até o quarto, onde encontraram, deitado, estremunhado, um homem seminu,amorenado, com a barba por fazer, a cabeça rapada, a olhar, assustadiço, de um lado para o outro, sem saber em que ponto deter seu olhar, e ao reconhecer as figuras que o tiraram do reino onírico de Morfeu, com os nós dos dedos removeu as remelas que lhe emprestavam uma aparência horripilantemente asquerosa à sua natural feiúra, e assim que seus olhos se desanuviaram, pôde ver com nitidez a cena ao redor, e entender o que se passava, diante de si, rifles e submetralhadoras a mirarem-lo, e tratou, incontinenti, e imprevidentemente, de dispensar aos policiais o único tratamento que, entendia, eles mereciam: num ato repentino, contorcendo-se como um felino, com agilidade surpreendente, agarrou um travesseiro sobre o qual até pouco antes descansava sua cabeça e que lhe acolhia os sonhos, e atirou-a contra um dos policiais, ao mesmo tempo que, aos grunhidos guturais, saltou, ferozmente, unhas retráteis à mostra, a rugir e a exibir caninos afiados e fisionomia enfurecida, sobre outro policial, o que estava, mais próximo de si, ao alcance de suas mãos. Sua ferocidade, ele logo soube, não surpreendeu, tampouco amedrontou, os policiais, que o agarraram, o lançaram no chão, contra o qual o pressionaram com os joelhos, quase vindo a lhe quebrarem a espinha dorsal. E ouviram-se gritos enraivecidos do criminoso, cuja identidade pessoas de todas as regiões do pais desejavam conhecer.
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Capítulo Nono - O rosto do assassino em todas as telas de televisão, e nas de esmartefones, e nos monitores de computadores e notebuques.
Enfim, capturado e algemado, a bufar de raiva, a rilhar os dentes, e em vão a debater-se, selvagemente, o assassino foi pelos policiais conduzido para fora de sua casa. Uma rajada de interjeições atingiu-o, certeira, e ele, altivo, exibia a carranca amedrontadora, a desafiar todos os que o fitavam e o insultavam. Assim que lhe viu os olhos, o nariz, a boca, o queixo, as sobrancelhas, a testa, as orelhas, a cabeça desprovida de cabelos, toda, enfim, a desgraciosa estampa, Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco não pôde impedir de cair seu queixo sob a influência irrestível da força gravitacional e seu sangue de desaparecer de seu rosto, agora lívido. Tal fenômeno não lhe foi exclusivo: milhares de outras figurinhas carimbadas do álbum da política nacional e da imprensa também o manifestaram. A causa da contrariedade, da surpresa inesperada: do criminoso a fisionomia, que não pertencia a Jesualdo Mendonça Beltrão. Se o nome de batismo do assassino de Marcantonio Florentino não é Jesualdo Mendonça Beltrão, então qual é o nome dele? Era esta a pergunta de um milhão de Dólares que simultaneamente entibiava e excitava o espírito de onze de cada dez pessoas que se surpreenderam ao verem, algemado e acompanhado de uma vintena de policiais apetrechados a caráter, todos de fisionomia impassível, de petrificar Medusa, um homem que não era quem elas esperavam que fosse.
Tão logo o rosto do criminoso apareceu nas telas e nos monitores de todo país, os jornalistas proferiram, tímidos e constrangidos, o nome dele, e noticiaram: Ao contrário do que todo o país aguardava, Jesualdo Mendonça Beltrão não é o assassino de Marcantonio Florentino; o assassino dele chamava-se, para o leitor tal informação não é uma novidade, Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo, criminoso íntimo da polícia, frequentador assíduo da delegacia da Polícia Nacional do País Tropical da cidade litorânea onde se passa a história que estou a contar, bandido de extensa ficha criminal: estupros, quinze; assaltos a residências, nove; assaltos a bancos, oito; roubos à mão armada, trinta e quatro; sequestros, seis; tráfico de drogas; contrabando de armas; latrocínio, onze; e, aliciamento de menores.
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Capítulo Décimo - O chefe do assassino.
Onipresente, o rosto asqueroso de Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo via-se em todas as telas de televisores, em todas as telas mesmerizantes de telefones celulares, em todos os monitores de computadores e de notebuques.
Lá estava o rosto do assassino de Marcantonio Florentino, ao vivo, e em cores, para todo mundo admirá-lo, e para infelicidade, e descontentamento, e contrariedade, e desgosto do agora lívido e emudecido diante de surpresa para ele tão desagradável, tão contrária aos seus propósitos, Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, que não sabia onde enfiar a cabeça, à presença de um bom número de pessoas no estúdio de uma emissora de televisão, os olhares delas a convergirem para ele, em uma transmisão ao vivo, as imagens animadas de sua estampa chegando aos olhos de dezenas de milhões de pessoas, que lhe notaram o constrangimento, a palidez do rosto, o olhar perdido, o ar desnorteado, apalermado, todas a solicitarem-lhe uma explicação para o ocorrido. Perdido ele estava; todavia, para surpresa de si mesmo, logo se recuperou do baque sofrido. E recomposto, sorriu, como se uma idéia brilhante lhe houvesse iluminado o espírito de político atilado que jamais se dobra às adversidades, a inspirar-lha um gênio, gênio mal. As pessoas que se encontravam no estúdio, com o olhar indagaram-lhe quais pensamentos se lhe haviam tangenciado o cérebro inescrupuloso, proverbialmente iníquo. Ele não esperou que elas lhe externassem a pergunta que tinham aprisionada no olhar; satisfez-lhes a curiosidade mórbida, o rosto a ferver alegria maliciosa, a borbulhar de regozijo:
- A Polícia Nacional, com a celeridade e a eficiência suas, históricas, que lhe admiramos, e delas nos orgulhamos, certos de que o nosso dinheiro, o dinheiro do povo, está sendo corretamente aplicado, pois definiu o governo as suas prioridades, e uma das três prioridades principais é a segurança pública, e as outras duas são a educação pública e a saúde pública, e o fez sem negligenciar outras prioridades, tais quais o meio ambiente, o transporte público, a moradia popular, tão bem preparada, prossigo, a Polícia Nacional, contando com policiais e investigadores cujos nomes estão no rol dos mais bem preparados do mundo, surpreendendo o mais otimista e esperançoso dos homens, resolveu o caso em tempo recorde. Já conhecemos a identidade do criminoso que matou o nosso querido Marcantonio Florentino, cidadão exemplar, político promissor cuja vida seu assassino lha ceifou num ato hediondo, encurtando-a precocemente, abreviando-a prematuramente. Agora temos, concluída, a contento de todos nós, a primeira etapa da investigação, e executada, para a nossa alegria, a prisão do assassino, de principiar a segunda etapa da investigação, a que nos dará a identidade do chefe de Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo, o assassino do nosso querido Marcantonio Florentino. Ora, ninguém há de acreditar que um homem da extração de Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo, um ladrão-de-galinhas, da ralé do submundo do crime, um mané que não tem onde cair morto, um desqualificado sem eira nem beira, um desgraçado que desde o berço comeu o pão-que-o-diabo-amassou, teria, em nossa sociedade injusta e preconceituosa, recursos para executar uma ação tão ousada, tão arriscada, tão inédita, a de assassinar um político proeminente, proeminente e promissor, predestinado à presidência do nosso país, se não tivesse costas quentes, se não contasse com suporte de gente poderosa, se não o remunerassem regiamente banqueiros internacionais, se não lhe abrissem, num paraíso fiscal, uma conta irrastreável, nela depositando dinheiro que lhe fez a fortuna, e se não lhe houvessem dado as coordenadas para se desincumbir, a contento, da tarefa, que lhe contrataram, a de matar o nosso amado Marcantonio Florentino. Não nos surpreendamos se os nomes que venham a se aventar sejam de políticos populares, políticos que por onde passam arrastam multidões. Não nos surpreendamos se porventura se mencionar, como o chefe do assassino de Marcantonio Florentino, nosso querido amigo, o senhor Jesualdo Mendonça Beltrão, um patife de primeira, a secundarem-lo, a ele acumpliciados, outros políticos do seu grupo ideológico antidemocrático e autoritário. Não nos surpreendamos com as novidades que estão para nos chegar. Temos, agora, de observarmos, atentamente, as operações da Polícia Nacional até ela chegar ao nome do chefe de Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo.
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Capítulo Décimo Primeiro - Caçada ao chefe de Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo.
Já sabedores do nome de batismo do assassino do importante e promissor vereador (deixei-me contaminar pela oratória encomiástica de Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco) da cidade litorânea do país tropical, bonito por natureza, de belas praias e mulheres seminuas, os políticos, os jornalistas e outras figuras populares do país objetivaram, agora, encontrar o chefe do assassino. "Quem mandou Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo matar Marcantonio Florentino?" Esta a pergunta para a qual todas as pessoas responsáveis queriam a resposta, e a resposta correta era: Jesualdo Mendonça Beltrão. Tal pergunta substituiu a pergunta "Quem matou Marcantonio Florentino?" à qual a Polícia Nacional do País Tropical, por vias acidentais, e desconhecidas, e incompreensíveis à razão humana, dera resposta que para muita gente estava errada e cuja resposta certa, a gente que entendia que a qual a Polícia Nacional do País Tropical lhe dera era a errada, era a que Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, antes, mesmo, do início da investigação, com as sua perspicaz inteligência e o seu visionário dom profético, lhe dera. Por razões óbvias, o leitor sabe quais são, a resposta à primeira pergunta dada pela Polícia Nacional do País Tropical para Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco não era a correta.
Aqui, tenho de ao leitor informar que os investigadores da Polícia Nacional do País Tropical seguiram uma linha de investigação que partia das palavras de Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco e ia até a residência de Jesualdo Mendonça Beltrão, uma linha reta, sem atalhos, que ia do ponto de partida ao ponto de chegada num átimo, sem interrupções, sem barreiras intransponíveis.
Enquanto os dias se passavam, ininterruptamente, sem intervalos entre eles, um após o outro, seguindo o curso natural do tempo, e o nome do chefe, que tanto procuravam, do assassino, que já encontraram, não era anunciado, conquanto já se dizia que sabiam qual era, empresas de mídia, televisivas e internéticas, aludiam, dia e noite, em toda a sua programação, nos programas jornalísticos, nos esportivos, nos de culinária, nos infantis, nos de auditório, ao assassinato, ao assassino e ao chefe do assassino, sem jamais se esquecerem de citar o nome deste,onipresente, ubíquo.
Transcorreram-se os dias, e as semanas, e os meses.
O constante adiamento da apresentação, pela Polícia Nacional do País Tropical, de Jesualdo Mendonça Beltrão como sendo o chefe do assassino de Marcantonio Florentino enervava políticos, jornalistas, artistas, atletas, comentadores, iutuberes, influenciadores digitais e pessoas de outros gêneros da inquantificável fauna social, todos ansiosos para lerem, nos autos policiais, o nome que neles tanto queriam ler, e, mais do que tudo o mais, o anúncio da captura do homem que atendia por tal (escrevi "por tal", e não "portal") nome - sonho que milhões de pessoas acalentavam.
Enfim, a captura do chefe de Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo, episódio, este, tão extraordinário, que eu o contarei em outro capítulo, o décimo segundo.
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Capítulo Décimo Segundo - O chefe do assassino, capturado.
Antes do alvorecer de mais um dia, os galos ainda a sonharem mergulhados no universo onírico de um Morfeu galináceo, jornalistas e câmeras aguardavam, à porta da sede da Polícia Nacional do País Tropical, a chegada do chefe do assassino de Marcantonio Florentino, Jesualdo Mendonça Beltrão, passageiro de um camburão, algemado, cabisbaixo, humilhado, amedrontado, assustadiço, a fisionomia, lívida, transparecendo terror-pânico a entibiar-lhe o espírito. Com chamadas ao vivo, magnetizavam milhões de expectadores, todos ávidos pela notícia bombástica, sedentos de novidades, a vida a confirmar a profecia de Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, personagem emblemática, que estava, no saguão da sede da Polícia Nacional do País Tropical, desta convidado de honra, todo pimpão, sorridente, a brilharem seus dentes lácteos há poucos dias submetidos a um procedimento de clareamento, à espera da chegada do chefe do assassino de Marcantonio Florentino, pronto para proferir, com oratória vitoriosa, um discurso a festejar a prisão dele. Estufava o peito e disciplinava a voz diante de um microfone acolhedor e servil, ao lado de uma jornalista, pronto para ler, numa folha de sulfite, as palavras, que redigira de próprio punho, de um discurso histórico assim que o nariz da figura popular do chefe de Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo, Jesualdo Mendonça Beltrão, despontasse à porta do camburão.
E fez-se agitação incontrolável.
Azáfama barulhento, caótico corre-corre, anunciou a chegada do camburão com o famoso criminoso.
O camburão abriu caminho pela multidão, esgarçando-a sem lhe pedir licença.
No lufa-lufa escalafobético pessoas caíram, e umas, caídas, foram pisoteadas.
Chegou ao pátio da sede da Polícia Nacional do País Tropical o camburão, por cuja porta traseira, aberta, retirou-se um homem, de cabeça erguida, algemado, que nenhuma semelhança, nem de nariz e nem de focinho, conservava com o aguardado Jesualdo Mendonça Beltrão.
Quem era o ilustre desconhecido, cuja presença a todos boquiabriu e queixocaiu?! Quem?!
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Capítulo Décimo Terceiro - Um capítulo inusitado.
Quero que o leitor saiba que o relato, ligeiramente apressado, da história que este conto conta não dá conta de todos os detalhes importantes e esclarecedores que ilustram a mentalidade, a personalidade e o temperamento das personagens que a animam.
Sei que o leitor, lendo esta história com prazer gratificante, está, inadvertidamente, querendo se antecipar aos eventos que, acredita, narrarei, os quais, pensa, da história aqui contada participam.
Que o leitor saiba que os capítulos subsequentes talvez não contem eventos que lhe correspondam aos que em imaginação ansiosa antevê e lhe forneçam detalhes que à história pertencem, os quais ainda não lhe dei a conhecer porque, de tantos são e de tão amontanhados e misturados numa confusão enervante e enlouquecedora estão que me impedem de os pôr numa narrativa coesa e clara, que me é impossível escrever.
Não pode o leitor, por mais que o queira e deseje, antecipando-se à leitura, em imaginação criar os detalhes que estão, nos capítulos que se seguem ao que ora lê, para lhe serem revelados, daí a sua ânsia insaciável em querer, usando de imaginação fértil alimentada pela literatura policial e de suspense e pelo cinema de tais gêneros, conhecê-los por antecipação.
Em vão o leitor assume tal postura. Exorto-o a abandoná-la, pois, presumo, o que tenho para lhe revelar nos capítulos finais desta narrativa não lhe corresponderá ao que pensa que lhe reservei.
E estou, voluntária e involuntariamente, a me repetir.
Quero que o leitor saiba, também, que, conquanto previsíveis, os próximos capítulos desta aventura folhetinesca não estão ao alcance de sua imaginação, que é incapaz de concebê-los, de tão verossímil é a história, embora ela possua incontáveis elementos irrealistas e disparatados - e porque verossímil, inimaginável: o leitor, portanto, não pode, por mais que o deseje, e se esforce, e queira, em imaginação antevê-los. Estão além do alcance da sua vã imaginação.
E repito-me.
Este capítulo serviu apenas para desacelerar a narrativa e para esfriar do leitor a curiosidade ansiosa e a ansiedade curiosa, assim evitando que, de tão ansioso e de tão curioso, com a respiração suspensa, tenha, como popularmente se diz, um troço, isto é, um treco, digo, caso o leitor desconheça a expressão anterior. Em outras palavras, quero dizer que escrevi este capítulo, que é o décimo terceiro, para impedir que do leitor o coração venha, aos pinotes, à boca, e espirre-se-lhe para fora do corpo, ou, simplesmente, que exploda.
Encerrado este capítulo inusitado, a narração segue, no próximo capítulo, que é o décimo quarto, o seu ritmo normal, que lhe foi originalmente concebido.
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Capítulo Décimo Quarto - Revelada a identidade do chefe do assassino de Marcantonio Florentino.
Para surpresa de todos os que acompanhavam, curiosos, o caso que aqui estou a narrar, quem apareceu não foi quem acreditavam que apareceria. Jesualdo Mendonça Beltrão não surgiu, para os holofotes, de dentro do camburão, tal qual Jonas de dentro da baleia. Não foi a sua estampa que estampou as capas de revistas e jornais do dia seguinte, tampouco as telas de televisão e as capas dos portais jornalísticas internéticos. De quem era a estampa que de dentro do veículo policial apareceu, altivo, para que todos os que podiam ver o admirassem? De Péricles Pompeu Alves Rodrigues Tutankhamon Romanoff Tokugawa, homem de média estatura, rotundo, enxundioso, de papadas gelatinosas indiscretas, e de olheiras fundas, acrateradas, e de um chumaço de pelos na cara rechonchuda, e de tufos de pelos a escaparem-lhe das orelhas e das fossas do nariz avantajadamente esparramado entre duas grandiosas bochechas rosadas.
Era Péricles Pompeu Alves Rodrigues Tutankhamon Romanoff Tokugawa um tipo assustadoramente estrambótico, em cujo deneá há ingredientes do Quasímodo, do monstro criado pelo doutor Frankenstein, do gorila (ou orangotango, ou chimpanzé?! - não importa, sei que se trata de um primata primitivo) do famoso conto de Edgar Allan Poe, e do Blob. Atraentemente horripilante, simultaneamente atraiu e assustou as pessoas que tiveram a desgraça de lhe fitar a desgraciosa figura; de todo modo, magnetizou-as sua feiúra, a feiúra, a sua, que, em sua perfeição, perfeitamente feia, tinha o poder de petrificar todos os homens e todas as mulheres - e até os animais - que inadvertidamente tiveram o desprazer de vê-la.
Os animais também se petrificam ao verem gente feia?! Sim. E por que não?! Eu, digo, já vi gatos, cachorros, galos, bois, cavalos, vacas, pardais e outros descendentes dos animais da Arca de Noé fitarem-me, petrificados, embasbacados com a minha feiúra, que os hipnotiza, mesmerizando-os.
Está a digressão, cuja leitura o leitor encerrou, deslocada, aqui, neste conto. Tenho de retomar a ordem da trama do conto que conto, porém não o farei de imediato porque tenho de lhe inserir uma digressão importante, indispensável para que possa o leitor compreender o porquê dos nomes das personagens que o animam.
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Capítulo Décimo Quinto - Dos nomes das personagens.
Estou certo de que o leitor já percebeu a estranha combinação de nomes e a extensão inusitada deles, e coçou-se a cabeça a se perguntar porque têm as personagens desta história tais nomes e de onde eu os tirei. Além do nome do assassinado, Marcantonio Florentino, e do eterno suspeito de havê-lo matado, direta ou indiretamente, Jesualdo Mendonça Beltrão, as outras personagens têm nomes quilométricos: Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo, o assassino; Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, o político inescrupuloso; e, o chefe do assassino, Péricles Pompeo Alves Rodrigues Tutankhamon Romanoff Tokugawa.
Ao pôr-me a escrever esta história evoquei, involuntária, e inadvertidamente, as inconfundíveis sobrancelhas do Monteiro Lobato, e lembrei-me da enrascada em que ele certa vez se viu envolvido por causa do nome de uma das personagens que ele criara para um conto seu publicado no Minarete. Assim, ao me lembrar de tal fato, decidi emprestar às minhas personagens, todas fictícias (chamo do leitor a atenção, renovando alerta que já lhe fiz, para este detalhe), nomes estranhos, escalafobéticos, e extensos, excetuados os dois primeiros neste capítulo mencionados - espero que por causa destes dois nomes nenhum homem de nome idêntico ao de algum deles (e acredito que Marcantonio Florentino e Jesualdo Mendonça Beltrão, mesmo que não sejam comuns, não são raros), vendo o seu nome, que não é seu, mas da personagem que para este conto criei, pense que estou a difamá-lo, a infamá-lo, a dele zombar, ou a ridicularizá-lo, ou o que quer que venha a pensar, pois nenhum Marcantonio Florentino conheço, e tampouco um Jesualdo Mendonça Beltrão.
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Capítulo Décimo Sexto - A surpresa que a figura do chefe do assassino causou.
Embasbacado, queixocaído, respiração suspensa, olhos esgazeados, emudecido, boquiaberto, apalermado, estupidificado, Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco, que esperava, prelibando de prazer insaciável, ver a figura de Jesualdo Mendonça Beltrão retirando-se, humilhado, do camburão, viu a de um homem que ele já conhecia de outros carnavais, e não acreditou no que seus olhos lhe mostraram. Foi tanta a sua surpresa, que a consciência se lhe anuviou; entonteceu-se; e, se não o tivessem escorado, iria ao chão num baque surdo e pesado.
Conduziram os policiais Péricles Pompeu Alves Rodrigues Tutankhamon Romanoff Tokugawa à sede da delegacia da Polícia Nacional do País Tropical, onde ele iria apresentar depoimento, o que fez com a eloquência e a boa-vontade (mas sem contar tudo o que sabe) de uma pessoa que, sabia, tem costas quentes, a de uma pessoa que, se decidisse dizer tudo o que sabe, carregaria consigo, para a lama do ocaso público, e, provavelmente, para a prisão, algumas dezenas de personalidades de reputação pública ilibada. Seu depoimento, entenderam os que não lhe ignoravam o focinho, era uma poderosa mensagem que ele enviaria para estas e aquelas pessoas cujas identidades o povo ignorava (o povo, aliás, delas as conhecia; todavia, não suspeitava do envolvimento delas em um crime tão hediondo).
Profissionais da imprensa trataram de, com circunlóquios, calemburus, anfibologias, paralogismos, explicar o inexplicável, fugir às perguntas acerca do nome do chefe do assassino de Marcantonio Florentino, apontar para outra questão, que o assassinato de Marcantonio Florentino não contempla.
Aflorou à mente do ladino Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco uma idéia, que lhe permitiria atingir, em cheio, o seu alvo. Não contarei tal episódio no capítulo que ora o leitor lê e que está para se encerrar neste ponto final.
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Capítulo Décimo Sétimo - O discurso de Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco.
Aloísio Bartolomeu Pires Vargas Oliveira Madureira Branco animou-se, recuperou a vivacidade de sua fisionomia e seus olhos brilharam - e tanto lhe era o prazer que lambeu os beiços e esfregou as mãos uma contra a outra - ao, em imaginação, projetar diante de si a imagem de um futuro próximo: num presídio de segurança máxima, trancafiado a sete chaves, Jesualdo Mendonça Beltrão, amedrontado, esfomeado, coberto de hematomas, sangue a se lhe escapar de todos os poros, os olhos acraterados. E tratou de pronunciar um discurso, curto, veemente, bombástico:
- Brasileiros e brasileiras, vocês acreditam, mesmo, que um ladrão-de-galinhas, Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo, matou o nosso querido Marcantonio Florentino?! Acreditam?! Impossível que tenha sido ele o assassino do nosso amado e querido amigo Marcantonio Florentino! Impossível! Mas, se é o que a Polícia Nacional diz, então damos mãos à palmatória. Brasileiros e Brasileiras, vocês acreditam que Péricles Pompeu Alves Rodrigues Tutankhamon Romanoff Tokugawa é o chefe daquele desqualificado, do assassino do nosso querido Marcantonio Florentino?! Acreditam?! Impossível que seja ele o chefe do assassino! Impossível! Impossível! Mas, se a Polícia Nacional diz, então damos o braço a torcer! A Polícia Nacional é eficiente, sabemos. Conta com investigadores de renome internacional. Confiamos na Polícia Nacional! Sabemos que ela ainda não encerrou as investigações, pois sabe, brasileiros e brasileiras, que o assassinato de Marcantonio Florentino, amigo nosso, amigo-do-peito, o melhor dos nossos amigos, ainda não está solucionado, pois ainda não se chegou ao nome de Jesualdo Mendonça Beltrão, que, se não é o assassino, e tampouco o chefe do assassino, é, não há o que negar, o cabeça do chefe do assassino de Marcantonio Florentino! Foi, brasileiros e brasileiras, Jesualdo Mendonça Beltrão quem mandou Péricles Pompeu Alves Rodrigues Tutankhamon Romanoff Tokugawa mandar Valério Dias de Souza Lienchenstein Miranda Luxemburgo matar o nosso querido Marcantonio Florentino, um herói do nosso país tropical! Que a Polícia Nacional siga com as investigações! Clamamos por justiça! Queremos, preso, o cabeça do chefe do assassino do nosso querido Marcantonio Florentino, homem de nobreza única. Não descansaremos até que a justiça seja feita! Jamais descansaremos! Jamais! A justiça será feita! Não haverá impunidade! A justiça será feita! Que a Polícia Nacional continue a investigar o assassinato de Marcantonio Florentino, querido e amado amigo, admirado e idolatrado herói brasileiro!
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Capítulo Décimo Oitavo - O último capítulo deste conto, que ao final deste capítulo encerro.
Chegamos, enfim, ao capítulo derradeiro desta aventura emocionante.
Quero dizer, esclareço, que a aventura prossegue e que encerrado está este conto, que, para se concluir, precisa de apenas dois parágrafos, os que estão, um depois do outro, após este ponto final.
Por alguma razão desconhecida, a imprensa se desinteressou do assassinato de Marcantonio Florentino, e algumas pessoas suspeitam que o motivo foi o prejuízo que a revelação do nome do assassino e do seu chefe causou a personalidades políticas que não Jesualdo Mendonça Beltrão - mas é tal suspeita nada mais do que uma suspeita. Após abandonar tal assunto, a imprensa passou a dedicar toda a sua atenção a um caso do arabesco e do grotesco, caso que a Polícia Nacional do País Tropical investiga há meses: no interior do país tropical, durante um salto de paraquedas, Jesualdo Mendonça Beltrão, audaciosa, e ousada, e desrespeitosamente, e perigosamente, abordou uma águia, que voava, na ocasião, com o dom de voar que a natureza lhe deu, tranquila, e despreocupadamente, pelo céu limpo de nuvens, dela passando a poucos metros de distância, quase lhe resvalando com os pés os remígios da asa esquerda. Acompanharei, atentamente, o caso, para que um dia, com as informações reunidas, eu possa a seu respeito escrever uma aventura emocionante.
Não é o fim deste conto, repito, o da história que nele contei. O fim dela talvez jamais se dê. Talvez.
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Capítulo extra.
Esquecia-me: Enterraram o cadáver de Marcantonio Florentino, numa cova do cemitério municipal da cidade litorânea do país tropical, poucas horas depois de ele haver sido velado no velório. Enterrado o cadáver dele está, mas a alma dele ainda não pode, pelas razões que me recuso a elencar, as quais o leitor suspeita quais sejam, descansar em paz.
E zefini.
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Mais um capítulo extra.
Embora morto Marcantonio Florentino e enterrado o seu cadáver, o seu fantasma vive de perambular a esmo, sem rumo, ao acaso e à toa pelo vasto território do país tropical - e ninguém sabe dizer até quando ele o fará.
Agora, sim, é para valer: Zefini.