ENCONTRO NO CAIS DO PORTO

Encontrei a finada Adil perambulando pela faixa do cais do Porto do Recife, fomos companheiros de trabalho no Porto, ela estava a poucos metros de mim, mas acho que não percebeu a minha presença ali ou talvez não tenha sido autorizada a me ver, o motivo pode ter sido a forma como ela deixou a vida terrena através do suicídio, quando desferiu um tiro no próprio ouvido durante uma crise depressiva. Foi dececionante, aliás esse fato triste me foi dito dias antes por ela quando prometeu ceifar sua vida. Argumentei que não era o caminho certo, porém ela não ouviu meus conselhos.

Bem próximo dela estava David, outro ex-colega de trabalho, não sei porque estavam ali, nem eu sei também porque eu estava naquele local onde trabalhei por quase quatro décadas, acho que alguma afinidade do espírito. Tentei me aproximar de David, foi em vão, vi que ele atravessou a Av. Alfredo Lisboa distraidamente seguindo Adil, nem se preocuparam com os carros circulando em fluxo intenso, mas seus corpos não foram atingidos. Resolvi segui-los e fiz o mesmo, os veículos passavam por mim como se eu não existisse ali, nada sentia, assim como meus ex-colegas.

Mas o David conseguiu contato com Adil, comigo nada. Imaginei que sua forma de deixar a Terra tenha sido quase idêntica a de Adil, ele havia pulado de um prédio também acometido de uma crise de depressão. Lembro que eram bons amigos, ele era homossexual assumido, porém um ótimo e conceituado funcionário, além de cumpridor de suas atividades administrativas. Adil era chefe da Secretaria Geral e eu era seu braço direito na seção, nos dávamos muito bem.

Os dois passaram a conversar, porém sem muito interesse, davam a impressão de que não queriam papo, mas a conversa fluía e ali perto dele eu os observava, fazia gestos para que me vissem mas era inútil, o que me fez desistir daquela investida. Voltei para o cais, mas dessa vez atravessei a avenida com cuidado deixando os carros passarem. Me vi no cais sem ter passado por algum portão, alguns navios atracados estavam em operação de desembarque de produtos diversos, muitos portuários em suas atividades rotineiras. Meu semblante foi aos poucos me deixando sem noção do que estava acontecendo e só me dei conta da realidade quando despertei para o meu mundo.