SOMBRIO

Num certo dia, um homem acordou dentro de um buraco. Era um buraco profundo e estreito. Media cerca de nove metros de profundidade por um e meio de largura. Escalá-lo era impossível; o homem até que tentara, mas sempre acabava escorregando nas faces barrentas do buraco para o fundo sem atingir pelo ao menos dois metros acima. Exaurido, ficou sentado, o rosto mergulhado nas mãos em concha, não sabia mais o que fazer. Pensava, como de repente se vira ali, naquela armadilha? Não se lembrava de nada, de onde viera, e até mesmo quem era ele. Olhava para o alto e apenas enxergava a luz do sol bem lânguida. Após tantos gritos e pedidos de socorro jogados no vazio estava afônico. Ouvia-se a brisa soprando suave lá em cima e nada mais.

Por fim o homem desistiu, justamente nesse momento vislumbrou alguns vultos no alto. Uma imensa corda enodoada e ensebada lhe foi arremessada. Não titubeou um segundo sequer. Agarrou-se firme à salvação e foi bruscamente puxado para fora. Mal colocou os dois pés no chão duas das pessoas estranhas que lhe haviam extraído das profundezas, sem dizer nenhuma palavra, meteram-lhe grilhões de aço nos pés e nas mãos. Tentou dialogar mas foi brutalmente arrastado pelos seus salvadores. Observou-os. Não se lhes via os rostos, eram absurdamente altos para homens comuns, usavam sobretudos e capuzes escuros. Não emitiram nenhuma palavra, apenas breves grunhidos. Percebeu que à sua frente seguiam muitas outras pessoas, mulheres, homens, idosos, jovens e até crianças, todos manietados por aquele grupo taciturno de homens. No início eram centenas de prisioneiros, mas ao firmar mais as vistas observou que eram milhares, quase incontáveis.

O homem seguia aquela tétrica procissão em passos lerdos. A paisagem era inóspita, ostentava um sol amarelo, doentio, que emprestava ainda mais lugubridade ao ambiente. A vegetação era quase inexistente, percebia-se aqui e acolá algumas plantas rasteiras, amarelo-esverdeadas. Nos dois lados do caminho viu inúmeros buracos; impossível quantificá-los; até à linha do horizonte parecia que o solo estava repleto de alvéolos. Presenciou as pessoas sendo resgatadas e incontinenti aprisionadas como ele o fora momentos antes. Não fazia a menor ideia para onde eram levados, nem para o quê eram levados.

Alguns verdugos iam caminhando lado a lado com o séquito. Possuíam chibatas adornadas com pregos nas pontas e varapaus que eram utilizados com vigor caso algum dos caminhantes resolvesse se atrever a questionar a caminhada, deixasse de andar ou mesmo caísse extenuado.

Aquele homem não sabia o que pensar. Tudo parecia um sonho ruim, um pesadelo que não tinha fim. Infelizmente tudo era bem real, palpável; todos os seus sentidos estavam aflorados. Sentia dor, sede, fome e cansaço. Sua mente estava confusa. Nutria pavor e, ao mesmo tempo, um ódio profundo pelos seus captores. Não porque faziam sofrer todas aquelas pessoas, mas porque não tinha forças para se libertar e lhes fazer sofrer o dobro de que padecia.

De vez em quando, aqueles homens enigmáticos, sinistros, repugnantes, paravam o cortejo. Retiravam as correntes de um dos prisioneiros, convertiam-no num igual; davam-lhe vestimentas idênticas as suas, outras vezes uma chibata e uma vara para castigar os renitentes. Então, o novo membro passava a desempenhar impiedosamente a sua função de libertar para escravizar e punir os indóceis.

Alguns dos prisioneiros pareciam que despertavam daquele sono catalético e simplesmente se recusavam a dar mais um passo. Enlouquecidos, sorrindo, chorando compulsivamente, desafiavam as ordens de seguir na direção incerta. Nessas horas, os guardiões irascíveis se lançavam em cima deles e lhes vergastavam tão ferozmente que, ao final da linchação, os corpos daqueles pobres viventes eram reduzidos apenas massas amorfas de carnes e ossos destroçados, deixados para repasto dos imensos e escuros abutres que acompanhavam do alto as colunas em marcha lenta.

E assim, o cordão infinito de gente ia seguindo...muitos buracos precisavam ser esvaziados.

Adolfo Kaleb
Enviado por Adolfo Kaleb em 31/01/2024
Código do texto: T7989026
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