Odor de santidade
Guardiã da chave da capela de Santo Antônio da Penha, a igreja primaz da tricentenária cidade de Pitangui, MG, dona Lilica, bem vizinha, era a autoridade. Só menor, porém sempre em consonância com o vitalício vigário municipal Guerino e o eterno orago, cuidador do Menino Jesus, Antônio. Trindade perfeita, senão para a operação de milagres, pelo menos para a dispensação de graças.
Assim, malgrado a longa e sinuosa distância em que se situa a igrejinha do miolo da cidade, e de seus arrabaldes, as visitas são garantidas, frequentes, e renovadas, tanto para pedir, quanto para agradecer, terço rezar e vela acender. Sobretudo nas terças-feiras, em que o Santo é mais receptivo, por algum ou algoutro motivo.
E foi numa dessas terças que, de terço à mão, e fé no coração, a pia vizinha nossa, dona Chiquinha, já septuagenária, entre compungida e esperançosa, empreendeu o duro trajeto de quase meia légua, que bem vale o triplo do que mede em linha reta. Bate à porta de dona Lilica e dela receber a preciosa chave foi mamão com açúcar, o que desanuviou de imediato a fisionomia austera de dona Chiquinha.
E tudo teria ocorrido bem, não fosse, ao cabo de apressada prece, e acometida de um súbito mal intestinal, dona Chiquinha não tivesse pedido para usar, de extrema emergência, as instalações sanitárias, ou simplesmente, o vaso honorífico, de dona Lilica.
Sem ter tempo e nem como negar o que lhe parecia uma usurpação, dona Lilica, ao ceder, resmungou o seu completo desagrado a plenos pulmões aos circunstantes que incluíam entre vários a saudosa Tibebé ...
Porém foi só quando dona Chiquinha saiu em passo batido, e rumo tomou, foi que dona Lilica achou mais razão para a sua indignação. Um troço de que falar nem posso...e que até hoje de sua lembrança se vinga, em renitente catinga...