Clarineve e os Sete “Ah! Não!” --- (um conto brevíssimo reconto)

Clarineve foi abandonada na frente de uma residência brasileira quando ainda era neném, tendo sido adotada por um casal que não escondeu dela um verdadeiro relato de testemunhas dando conta de haver nascido de genitores biológicos que nada mais eram do que um casal de estrangeiros que a haviam concebido irresponsavelmente numa noite de carnaval, em que se conheceram, mas que após um ano haviam se arrependido e desistido dela por ocasião do nascimento. E não se sabia dos seus nomes e nem mesmo se ainda tinham sua empresa no Brasil.

Para completar a crueldade do destino de Clarineve, ela tinha a idade de 16 anos quando esses seus generosos pais adotivos brasileiros (da chamada “classe média alta”) faleceram em trágico acidente automobilístico numa viagem de negócios enquanto ela havia sido deixada sob os cuidados da idosa babá e dos advogados da família, tendo ainda ficado um irmão que era um filho legítimo daquela família. Porém, ele era mais velho do que ela e residia no exterior, sendo também próspero empresário independente e por isso não questionou os direitos da herança para a jovem irmã adotiva.

Clarineve estava entregue ao seu próprio critério de interpretação da realidade brasileira, sendo obrigada a pensar em assuntos que jamais lhe haviam chamado a atenção.

Clarineve era muito clarinha da pele e logo começou a se sentir um “patinho feio” porque não havia ainda se dado conta dos preconceitos, já que naquela época (meados do ano de 2057) a maior parte das pessoas jovens declaravam-se “pardas” (até mesmo aquelas que no passado seriam consideradas loiras naturais). E o problema era que os pais adotivos dela tinham negligenciado esse ponto e não cuidaram em mudar essa condição no registro civil e nem trataram da aparência dela para que não sofresse o tal “cancelamento”, deixando-a muito fechada no mundo luxuoso particular conservador em que sempre viveram, e que mais se parecia com a classe social de sua origem familiar ancestral.

O fato era que Clarineve era excluída de grupos, por sua condição de ainda parecer uma “branquela rica opressora” (conforme o título depreciativo que a sociedade do ano 2057 reservava para as pessoas que não mudassem seu registro civil para se identificarem como “pardas”).

Entre várias tentativas de relacionamento amoroso, Clarineve havia já recebido 7 respostas de “Ah! Não!”. E cada pretendente dizia que ela só teria chance quando apresentasse sua carteira de identidade (RG) constando sua decisão de ser autodeclarada “parda”.

Foi a época em que Clarineve passou a querer saber detalhes sobre o Brasil do seu tempo (ano 2057, Século XXI), tomando conhecimento de que vários psiquiatras haviam sido presos com condenações pesadíssimas por tentarem convencer pessoas de que muitas delas não eram de fato “pardas” e que não precisavam se definir como “pardas” a fim de serem aceitas na Sociedade brasileira.

Muito sofrimento passou ela, a jovem Clarineve, até que seus pais biológicos reapareceram após saírem do seu país de origem e procurarem por ela, pedindo-lhe perdão e implorando para que ela fosse morar com eles definitivamente no exterior e em uma terra onde as pessoas não eram definidas pela cor da pele para qualquer relacionamento social.

Clarineve, muito comovida, aceitou e foi recomeçar a vida num lugar onde todos fossem considerados seres humanos irmanados pelo sentimento de fraternidade universal.

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