O PODER DE TOMÉ ou O Semeador de Palavras

Era uma vez um jovem chamado Tomé. Na festa de batizado, sua madrinha, que era uma fada boa, deu-lhe de presente um grande poder, mas bebeu muito ponche e esqueceu de dizer que poder era esse.

Tomé teve uma infância normal, porém quando cresceu tornou-se um malandro. As pessoas o desprezavam. Falava bem e sabia contar boas histórias, mas sempre acabava as conversas proclamando que um dia se tornaria muito poderoso, que sua madrinha de batismo era uma fada, que ela tinha feito uma previsão sobre seu futuro glorioso, que todos iriam conhecer o seu poder, enfim, era um panaca. Ele queria ser rico e poderoso mas só conseguia ser chato.

Um dia, Tomé ouviu dizer que algumas pessoas faziam pactos com o diabo e dessa forma se tornavam ricas e poderosas. Sentiu um pouco de medo mas gostou da idéia. Foi até o meio de uma grande floresta e, chegando na encruzilhada de dois caminhos, sentou-se sobre uma pedra para descansar. Ficou ali a matutar, eis que apareceu uma cobra. Deve ser o demônio em forma de serpente – pensou. Sentiu-se gelado de pavor, mas venceu o medo, pôs-se de pé e disse para a cobra que desejava ser rico e poderoso e que faria qualquer coisa que ela mandasse. A serpente respondeu-lhe que seu desejo seria atendido, mas que ele haveria de entregar a alma ao fogo do inferno, quando morresse. Dito isso, deu um bote e picou sua mão.

Tomé não morreu. Conseguiu chegar a um hospital e salvou-se. Ao receber alta sentia-se muito forte e disposto. A partir daquele dia tornou-se uma pessoa de muita sorte. Era capaz de fazer dinheiro em qualquer lugar que fosse. Convencia as pessoas das coisas mais absurdas e sempre ganhava dinheiro com isso, e quem fizesse negócios com ele também ganhava alguma coisa. Tornou-se rico, comprou um castelo e um título de Conde. Sentia-se poderoso mas não conseguia sentir-se feliz. Ele continuava um chato, porque agora ele só falava em fazer negócios e ganhar dinheiro.

Tomé não precisava de amigos verdadeiros para aproveitar a vida. Comia do bom e do melhor, dormia com as prostitutas mais lindas, andava cercado de empregados e sócios, viajava pelo mundo e tinha tudo o que o dinheiro pode comprar. Mas no seu íntimo vivia angustiado e sentia-se solitário. Sentia vontade de esquecer sua vida glamurosa e poder apenas conversar, contar histórias, recitar poemas, porém ninguém queria ser seu amigo de verdade. A menos que tivessem algo para comprar ou vender, as pessoas se afastavam daquele homem que tinha tanta lábia que sempre convencia alguém a fazer um negócio com ele para ganhar algum dinheiro, e que não falava de outra coisa que não fosse dinheiro.

Um dia, Tomé estava tão atormentado que, ao passar em frente a uma igreja, parou o automóvel, entrou e rezou pedindo paz de espírito. Ao sair do templo, farto da vida boa que levava, vendeu tudo, escondeu alguns potes de ouro para eventualidades futuras, saiu andando pelo mundo, e voltou a ser um vagabundo, quase um mendigo.

Depois de algum tempo, passou pelo local onde havia feito o pacto com o diabo e sentou-se na mesma pedra. Ficou ali matutando sobre vida e não tardou a aparecer uma cobra, aquela mesma da outra vez, só que bem maior. Tomé pegou um pedaço de pau, preparado para esmagar a cabeça do animal, mas antes que o fizesse a serpente falou-lhe:

— Está com raiva de mim? Eu lhe dei o que pediu e agora você está arrependido? Saiba que o diabo jamais perdoa um traidor. Sabe aquele ouro que você escondeu? Vai perder tudo, e daqui por diante toda riqueza que cair em suas mãos se transformará em palavras. Você não gosta de contar histórias? Vai cansar de conta-las.

Depois desse dia Tomé tornou-se uma espécie de artista andarilho. Trabalhava em troca de comida e de roupas, pois se recebesse pagamento em dinheiro, ao tocar suas mãos o dinheiro se transformava em palavras, que desapareciam no ar.

Ele fazia shows nas cidades, vilas, aldeias. Declamava poemas, cantava canções, contava histórias e fazia discursos que encantava as pessoas. O grande momento do show era quando ele transformava moedas em lindas palavras. As pessoas davam-lhe dinheiro na rua para que ele as transformasse em palavras. Terminado o show, todos iam embora, pois Tomé continuava sendo um chato. Ele não entendia porque as pessoas gostavam tanto das suas palavras mas não sentavam para fazer-lhe companhia.

Os anos passaram rapidamente e Tomé começou a sentir-se velho, e começou a pedir a Deus para encontrar a Morte. Em cada lugar onde passava perguntava se a Morte acaso não estava por ali. Quando sabia de algum velório ia até lá, para encontrar a Morte. Mas quando lá chegava, as pessoas pediam-lhe para fazer um discurso fúnebre, e então ele transformava algumas moedas ou velhas jóias em comoventes palavras de despedida do defunto. Depois ia embora, deixando as pessoas lavadas em lágrimas. E assim, Tomé nunca encontrava a Morte frente a frente, como desejava.

Um dia Tomé foi procurar a Morte no deserto e a encontrou, finalmente. Vendo-a aproximar-se, pôs-se de joelhos e pediu-lhe que ceifasse sua vida o quanto antes, pois não suportava mais a tristeza, o rancor e o arrependimento.

A Morte ordenou-lhe então que começasse a cavar uma sepultura em meio às pedras e ele assim o fez. Ao remover algumas pedras encontrou uma enorme arca cheia de jóias e moedas de ouro e prata. A Morte perguntou-lhe, em meio a gargalhadas:

— Não é teu destino ser rico e poderoso? Eis aí o grande presente de tua madrinha.

Tomé respondeu:

— Sem sacanagem, dona Morte! Se eu juntasse tudo o que já foi meu um dia, eu teria um tesouro mil vezes maior que esse. Quer saber o que faço com moedas de ouro e pedras preciosas?

— Mostre – disse a Morte.

Tomé agarrou um punhado de diamantes e atirou-os contra o vento. Inesperadamente, os diamantes transformaram-se em um poema de palavras luminosas, que ficou flutuando no ar, reluzindo ao sol do deserto como orvalho refrescante. A morte então fez um gesto e o vento soprou subitamente. O vento fez as palavras choverem contra o peito de Tomé, proporcionando-lhe uma sensação maravilhosa de bem estar.

— Mostre de novo a tua mágica – disse a Morte.

Tomé pegou um punhado de rubis e os jogou contra o vento. Os rubis tornaram-se uma linda história de amor, e as palavras choveram sobre Tomé, fazendo-o experimentar sentimentos doces, e pela primeira vez em dezenas de anos, ele chorou de emoção.

— Mostre mais – disse a Morte.

O velho tomou um punhado de ametistas, que transformou em uma canção. A brisa devolveu os sons para Tomé e ele sentiu a paz universal em seus ouvidos, em forma de velas palavras.

E, assim, Tomé e a morte ficaram se divertindo, experimentando cada tipo de pedra do tesouro. Um cristal rosado fez Tomé sentir-se cheio de ternura e lembrar-se da mãe e das crianças que conheceu mundo afora. As esmeraldas recriaram em sua mente as mais belas imagens da infância. Havia no tesouro uma pedras esquisitas, cujas palavras quase o mataram de tanto rir. Um punhado de opalas atiradas contra o sol descreveu as cores da alma de Tomé e nesse instante ele pôde compreender a si próprio. O presente da sua fada madrinha era o poder dos artistas. Por isso ele era capaz de produzir palavras mágicas, que ele próprio nunca entendera, mas que as pessoas adoravam. Chorou copiosamente, como choraram, certa vez, umas pessoas que estavam longe da família na noite de Natal, e pediram-lhe para fazer uma prece, e suas palavras foram comoventes.

Durante toda sua vida Tomé tivera um grande poder, o poder de levar às pessoas o conforto, a alegria, o riso, a emoção, o amor, a paz, a resignação, a humildade, a sabedoria. No entanto, por ignorância vivera a juventude em busca da riqueza material, perdendo a oportunidade de ser feliz com seu verdadeiro talento. Não soubera reconhecer o seu verdadeiro poder.

— Senhora Morte– disse Tomé –, estou cansado de viver, leva-me para teu reino, mas quero antes fazer uma pequena coisa.

E tomando em suas mãos o tesouro, transformou cada pedrinha preciosa e cada moeda em palavras que semeou no deserto. Quando finalmente a Morte ceifou sua vida, levando-o para o reino das sombras, as palavras semeadas começaram a brotar e a florescer, transformando o deserto em um imenso jardim.

Hoje, esse deserto-jardim não existe mais, porém até pouco tempo atrás as pessoas do mundo inteiro viajavam longas distâncias para irem até lá, apenas para colher flores, porque aquelas flores inspiravam intensos sentimentos de amor e felicidade.

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Leia a versão Braziles deste conto:

http://www.recantodasletras.com.br/contos/3315470

Sobre o Braziles consulte:

www.recantodasletras.com.br/gramatica/3169480

Marco Antonio Mondini
Enviado por Marco Antonio Mondini em 19/12/2023
Reeditado em 20/12/2023
Código do texto: T7957719
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