Paixão

Hoje não podia dar nada de errado. Tinha que ser aquela noite pra nos lembrarmos pelo resto da vida. Depois de muitas conversas, passeios noturnos e alguns presentinhos como flores e bombons, ela finalmente aceitou um jantar romântico.

Não perdi tempo. Comprei do bom e do melhor. Uma carne de primeira, uma saladinha verde, ovos, arroz e uma torta de chocolate pra finalizar bem a noite.

Mas a sobremesa que queria era outra. Cabelos longos, boca atraente e um sorriso encantador que me enlouquece a ponto de colocar uma camisa de força pra não agravar a situação.

Sorte minha que aprendi algumas receitas no Youtube e preparei o jantar com um esmero digno de Olivier Anquier. Era tudo por Catrina.

Mas havia um problema ainda maior. Fiquei sabendo que um potente ciclone extratropical se aproximaria da cidade nas próximas horas com alta probabilidade de estragos.

Será que a moça do tempo estava falando da Catrina? Fiquei com uma pulguinha atrás da orelha, mas não tinha tempo pra me importar com coisa tão banal, porque a arte final já estava pronta.

Velas acesas, pratos de cristal, nossas músicas românticas preferidas. Tudo pronto para esperar a estrela da noite.

E ela chegou. Estava elegante como sempre, quero dizer, mais do que imaginei. Pretinho básico, sapatos da mesma cor e uma beleza capaz de provocar as maiores calmarias e ao mesmo as maiores tempestades em meu coração.

O jantar estava pronto. No capricho. Músicas estavam já em marcha no notebook e nós conversávamos animadamente assuntos amenos, tudo isso para preparar a grande surpresa que faria a Catrina.

Pediria em casamento esta noite coroando tantos anos de namoro.

Mas senti uma sensação ruim. Catrina estava quieta demais durante o jantar, talvez por estar amedrontada devido ao ciclone que se aproximava da cidade.

Li em um artigo numa revista que certas pessoas revelam seus sentimentos quando estão sob pressão externa e mal imaginaria que Catrina era uma delas.

Nesse meio tempo, o ciclone se formou e chegou com tudo que tinha direito. Raios, ventania, chuva e granizo. Logo faltou luz e a geladeira foi pro espaço com toda minha comida.

Mas nem mesmo imaginaria que naquele instante ela revelou seus sentimentos verdadeiros.

Senti um forte puxão e um baque seco na cama. Não sei como não arrebentei minha cabeça. Ainda estava zonzo quando ouvi um farfalhar de roupas pelo chão e um gemido. Veio outro e mais outro.

Fiquei sem fôlego e o coração batendo aos pulos de alegria. Não tinha visto nada, mas sentido tudo.

Depois que tudo passou, acordei com um sol na cara e quase caí pra trás com o estado do apartamento. As gavetas do guarda-roupa completamente viradas e o abajur quebrado. Lençóis espalhados por todos os lados e os pratos de cristal destruídos.

E Catrina dormindo o sono dos justos.

Sorri com a ironia do destino. No fim das contas, eu acabei sendo a sobremesa.

Nem me importei com os estragos do meu apartamento. Soube depois que grande parte das famílias sofreram perda total pelo ciclone.

No bolso da calça, notei algo pesado. E pra minha surpresa, havia um anel de noivado e um bilhete dizendo: “Aceito de todo coração ser sua mulher. Eu te amo!!”

Fiquei sem fala. As lágrimas falaram por mim.

E cheguei uma conclusão.

Quem precisa de ciclone quando tem seu próprio furacão em casa.

O furacão Catrina.

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 14/10/2023
Código do texto: T7908708
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