No olho da Centopeia
a travessia do homem está nos cascos irregulares de retângulos vulgares e ranzinzas de um tronco felizmente zangado em sua timidez de árvore. a travessia é fina e temerosa de formigas que por lá caminham enquanto uma luz extrovertida e alegre alaranjado de um sol imortal incide sobre elas. muito tranquilamente se faz existir travessias dos homens durante os terrores e catástrofes, nasce como um nascer de Eva sem dores ou sangramentos a angústia. o segredo é que apenas os mínimos insetos o sabem.
é que este ser lhes profere mensagens, e que assim como, definitivamente, não existe árvore, sol ou formiga, também este que vos fala não existe; e o mais chocante, ele procura travessias de um modo diferente, como se fossem vibrações radiofônicas invisíveis, ele persiste na sua loucura de homem. os humanos, os outros, continuam a olhar para longínquos horizontes, incapazes de ver as passagens que se escondem nos imperceptíveis e finíssimos pés de formigas que de cabeça para baixo riem do segredo que todo o resto morre para alcançar.
o que este ser procura como se fossem vibrações radiofônicas, vibram mesmo. vibram do alto de uma montanha, do inferno, do céu, das cavernas, de outros planetas. em uma vibração radiofônica, a primeira que ouviu, ele banhava de chuveiro no quintal, e foi assim: água celeste brinca como criança sob a presença luminescente do imortal, sorri numa ligeireza de viver e morrer e desce ao chão, toca o corpo do homem, desafia o calor, faz o verde brilhar diante do amarelo desértico, e então, como vento e água se reconhecendo o mesmo ímpar, algo sussurra-lhe ao ouvido: " dentro do olho da centopeia existe um tu".
sua vida agora é o incessante desejo de novamente ouvir o sussurro num encontro casual de elementos radiofônicos.