CONTRATA-SE SERVIÇAL...

NATINHO, tudo bem por aqui, te ligo no domingo de noite. Abrs, do NA !!!

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CONTRATA-SE SERVIÇAL...

Jorge veio me procurar cedo naquela manhã, nem eram 7 horas ainda... queria que eu o "ciceroneasse" pelas avenidas chiques de Ipanema e Leblon. Trazia recorte de jornal requisitando empregado para serviços gerais, normalmente atividade feminina. Desta vez exigiam calça, ao invés de minissaia ou vestido.

Fomos de "lotação", hoje ônibus, "coletivo", termo que detesto... sim, eram os anos 70 e, sim, isto foi UM SONHO, que acabo de ter. Não reconheci nele a Ipanema que palmilhei diariamente como estafeta -- entre 1969 e 71, ainda garoto, "dimenor", no jargão trabalhista -- entregador de telegramas no bairro nobre e, aos domingos, também de jornais, dezenas deles, imensos, quase uma tortura. Chegamos ao prédio, muito chique, um luxo só; torci para que o endereço fosse uma das poucas mansões ainda existentes na praia. Jorge deu azar, era edifício de gente granfina ou, traduzindo, de "gente metida", com "o rei na barriga" e que estudara em Paris ou Miami.

-- "Então, o senhor quer o emprego de SERVIÇAL" ?!

-- Ééé, de empregado de serviços gerais, senhora" !

-- "Leu o anúncio ?! Quero um SER-VI-ÇAL" !!!

-- "Empregado, madame... serviçal é coisa dos tempos da escravidão" !

-- "Na minha casa mando eu... é pra todo serviço de limpeza, lavar o carro e dar banho no meu filho" !

O menino de uns 8 anos surge na sala, aliás salão, de pranchinha de "bodysurf" debaixo do braço.

-- "O quê ?! Não dou banho nem nos meus garotos e esse "marmanjo" tem tamanho pra tomar banho sozinho" !

-- "Não se trata desse... mas DESTE aqui"!, e aponta para uma "bola de pelos dourados" do qual mal se viam os olhos, palmo e meio de atrevimento.

-- "É o Claude de le Maine... me custou uma fortuna" !

-- "'Tô fora, madame, não cuido de cachorro" !

CACHORRO é você, serviçal, ele é um nobre exemplar de pequinês, tem sangue azul por parte de mãe e de pai, saiba o senhor" !

-- "É só um "viralata", nada feito, arrume outro" !

Aquele era o terceiro que recusava o serviço, madame estava desesperada, tivera dois FRACASSOS só naquela semana" !

-- "Pois bem, serviçal, consigo alguém para banhar "Clôd" (assim, "en Français"), estás contratado" !

-- "Corrigindo, madame... EM-PRE-GA-DO" !

-- "Quem faz exigências AQUI sou eu... é SER-VI-ÇAL ou RRRUUA, à sua escolha" !

Jorge "engoliu em seco"... o salário era 3 vezes maior do que em outros bairros onde constaria na carteira profissional "agente de serviços gerais". Aceitou, constrangido, aquele SERVIÇAL na CTPS "queimava" qual ferro em brasa.

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Três semanas depois fui ao barraco dele no Morro do Borel para saber como íam as coisas na casa da "socialyte" esnobe. Me atendeu a esposa, chorosa:

Jorge estava numa cela na Delegacia do Leblon, jogara o "Lulu" da dondoca pela janela, depois que este o mordera. O cão caíra sobre um general que fazia "Cooper" no calçadão e ambos nada sofreram, o apartamento ficava no segundo andar. O general processou a madame por "danos morais" e mandou prender o "pretinho safado". Queriam até fuzilá-lo, mas a família conseguiu advogado que o tirou da cadeia do Quartel, lá em Marechal Hermes. Pobre Jorge, agora limpa "de graça" o banheiro do xadrez !

"NATO" AZEVEDO (em 28/set. 2023, 5hs)