VINGANÇA SILENCIOSA

Nelcyr Amorim, nascido em uma pequena cidade do estado do interior, teve uma educação muito rígida. Desde pequeno aprendeu que a vida era de lutas e sua primeira infância foi entremeada de restrições e trabalho. O pai, trabalhador incansável, descendente de imigrantes europeus, só pensava no bem estar da família, por isso dedicou-se muito ao seu, cuja a natureza exigia viagens constantes as quais o mantinha distante da família durante a semana toda, resumindo sua convivência com os filhos a um dia por semana, quando dedicava a estes a sua atenção, tendo ainda que dividir esse tempo com a esposa e algum trabalho que lhe aguardava em casa.

Deixava então a educação dos filhos a cargo da esposa que procurava cuidar bem da casa ajudando o marido em tudo que podia.

Na adolescência ainda tinha muita dificuldade com as obrigações escolares, desviando sua atenção para as namoradinhas.

Na verdade, o namoro entre adolescentes, naquela época, resumia-se a olhares e bilhetinhos. Isso quer dizer que os adolescentes, eram proibidos de se aproximarem um do outro.

O namoro em si, com liberdade vigiada, tolerado após os 18 anos para os homens e 16 para as mulheres, ou seja encontros dentro de casa, na presença de um dos pais da moça a qual jamais visitava a casa do namorado, a não ser em companhia da mãe, mesmo assim, quando o namoro adquiria uma certa estabilidade e seriedade.

Nelcyr passou por todas essas fases.

Por necessidade, do trabalho do pai, mudou-se para uma cidade maior, ainda na adolescência.

Com o passar dos anos casou-se, teve seus filhos aos quais dedicou uma educação com base na recebida, mas com as indispensáveis atenuantes da época, mais tolerância ou seja mais diálogo que castigos físicos.

Alguns anos se passaram nessa rotina, até que a inevitável separação e o divórcio colocou um fim no seu casamento de 25 anos.

Ele acostumado com a vida a dois, encontrava dificuldade em viver sozinho e procurava encontrar uma companheira que fosse capaz de realizá-lo naquelas deficiências vividas no primeiro casamento.

As experiências vividas no casamento encerrado serviram para alertá-lo para uma escolha mais apropriada ao seu temperamento, caso desejasse uma nova relação.

Daniela Barcelos, filha de fazendeiros, nascida na zona rural, já tendo vários irmãos, sendo, portanto, uma a mais que o casal de agricultores recebia, não a consideravam nada de especial pois estes já tinham vivido a experiência de ver nascer, na sua família, vários outros filhos.

Assim como Nelcyr teve uma infância difícil. Uma criatura inocente e frágil, um ser que se arranja como pode, tratando de construir as defesas necessárias à sua própria sobrevivência.

Sua educação foi orientada mais pela mãe que pelo pai, ambos tiveram origem nas comunidades rurais próximas e se casaram já acostumados com o trabalho de lavrar a terra e cuidar das criações.

A família cresceu rápido, como era costumeiro na região rural, na época. Seu pai sempre presente, pois trabalhava na propriedade onde moravam.

Veio, em seguida, a idade escolar e por insistência da própria mãe começou a frequentar a escola na cidade o que significava para uma criança de sete anos uma penosa caminhada de ida e volta, sem nenhuma alimentação. Essa rotina era normal para aquelas pessoas. Retornando à casa fazia sua refeição e dirigia-se ao trabalho no campo, deixando as tarefas escolares para a parte da noite, que era um período muito curto, pois já se encontrava muito cansada e tinha que se recolher cedo para enfrentar a rotina do dia seguinte.

Cresceu Daniela nessa rotina até a adolescência, quando seus pais, resolveram abandonar o campo migrando para a cidade.

Pouco entrosada na cidade grande, mas com o costume de trabalhar desde criança, começou cedo a batalhar um trabalho que a ocupava o tempo todo. Na parte da noite procurou continuar seus estudos em uma escola no bairro onde residia.

Daniela, casou-se e teve filhos, mas seu marido não viveu muito, perdendo a vida prematuramente, deixando os filhos para Daniela cuidar. Foram momentos difíceis, criar os filhos tendo que trabalhar para garantir a eles o sustento e tudo que podia dar, dividia seu tempo com o trabalho durante o dia e à noite após providenciar afazeres domésticos, procurava conviver com os pequenos, o que fazia, também nos finais de semana, sempre procurando levá-los a algum lugar onde houvesse uma diversão qualquer para eles.

Daniela viveu nesse ritmo por anos até que seus filhos já haviam completado idade que os capacitava para se cuidarem sem muita dependência da mãe.

Daniela, então sozinha, começou a procurar um companheiro, mais por conselho de seus colegas de serviço que achava que ela não devia permanecer sozinha, condição que a colocava sob a ameaças constantes de pessoas que entendiam que uma viúva ainda jovem estivesse, sempre, à disposição de quem quisesse usar.

A união de Nelcyr e Daniela

Daniela, quase incentivada pelas colegas de trabalho passou a procurar pessoas que estivessem em condições de assumir um relacionamento sério e duradouro.

Tentou durante algum tempo, teve algumas experiências mal sucedidas, assim já estava por desanimar-se quando apareceu alguém. Quando esse alguém descreveu a pessoa que procurava, Daniela, instintivamente disse:

- Você está falando para mim. Eu sou exatamente essa pessoa que você está procurando. Declarando-se para o pretendente que haviam sido feitos um para o outro.

Assim iniciou-se um relacionamento que segundo Daniela e Nelcyr, perduraria infinitamente. No princípio, realmente, tudo apontava para essa direção.

Havia uma perfeita harmonia entre ambos uma forma diferente de viver.

Mas logo, perceberam que o comportamento de um não era, exatamente, condizente com o do outro.

Ela, pela sua formação de caráter tinha um comportamento totalmente inverso ao de Nelcyr. Enquanto ela mais expansiva do que seu companheiro, mais agressiva e pouco tolerante, entendia que Nelcyr era uma pessoa calma demais e às vezes não era agressivo, nos momentos que ela entendia que ele devia ser e este pensava que ela exagerava quando não era necessário.

Contudo os dois foram se adaptando até encontrarem um meio termo.

Nesse meio termo veio a união de fato e de direito. Uniram-se em uma cerimônia simples, sem muita pompa, na presença dos parentes e amigos. Foi uma alegria imensa. Finalmente ambos assumiam um compromisso com a responsabilidade de conduzir aquela união para toda a vida.

Para ela um sonho, tanto que muitas vezes declarou sua satisfação e sua vontade de que fosse para sempre.

Para Nelcyr e seus amigos, também seria para sempre, jamais pensaram na possibilidade de uma desunião.

Anos se passaram, alguns desentendimentos. Uns um pouco mais ríspidos que outros, mas sempre aguentavam e retomavam, como se fosse um novo início, uma nova partida rumo ao futuro que ambos desejavam atingir.

Futuro incerto, infelizmente, pois Daniela não se continha. Embora ter Nelcyr ao seu lado fosse para ela uma coisa boa, nada fazia para que este se sentisse atraído para a vida doméstica. Criou-se uma obsessividade incontrolável, quase patológica, o que gerou uma reação de Nelcyr, o qual achava injusto esse comportamento, uma vez que ele dedicava a sua vida à Daniela. Cuidava tanto dela quanto de seus filhos, sempre com muita dedicação de marido e de pai. Nessa compulsão para ser o companheiro e pai perfeito chegou a ultrapassar os limites. Isso foi entendido por Daniela que apesar de acostumada a ter uma vida mais liberal, a qual havia transmitido a seus filhos, como natural, tudo lhes dando sem nada ensinar ou exigir, entendia as atitudes do companheiro. Os filhos viviam totalmente sem qualquer limite. Eram livres para tomar qualquer atitude sem analisar as consequências. Nelcyr, surpreso não concordou com esse tipo de comportamento, cobrando de Daniela mais atitude e imposição de limites. Esse conflito começou a provocar o afastamento entre os dois. Foram noites e dias de sofrimento para ambos, bastava surgir um desentendimento para se tornar quase uma catástrofe, pois apesar disso se amavam muito.

Passaram-se os anos e as coisas foram sofrendo mudanças. Entre altos e baixos, falou-se em separação, uma dormida no sofá, até que a coisa ficou mais séria. Daniela já não se entregava a Nelcyr como antes e esse não sentia, por ela, a mesma atração o que, naturalmente fora motivado pelas desavenças onde palavras humilhantes e desastrosas eram ditas por ambos. Cada qual procurando diminuir o outro em verdadeiras agressões verbais. As coisas foram se agravando chegando ao ponto de haver provocações de ciúmes entre outras atitudes.

Quando juraram amor eterno e dedicação total, não esperavam por isso, então, o imprevisto acabou sendo o grande vilão da história, pois ambos alegavam estarem com a razão, pois a diferença de comportamento colocavam ambos na mesma posição. Os dois estavam cobertos de razões, só que enquanto Nelcyr não conseguia admitir a liberalidade de Daniela, esta não admitia a rigidez dele.

Para que se enganar quando existia a certeza de um amor dedicado, como dizia: o melhor de todos, pois para Daniela, a felicidade de ter alguém que lhe dedicasse toda aquela atenção, todo aquele carinho e cuidado, coisa que nem dos próprios pais sonhou receber um dia. Para ela tudo era novidade boa que a fazia feliz, portanto não justificava atitudes tão contrárias ao seu pensamento. Dizia jamais poder pagar a seu companheiro tamanha dedicação. Por que tudo isso, se para alcançar a felicidade é tão simples. Bastaria um momento de reflexão, de compreensão, de aceitação e de dedicação. Nada mais. As consequências de tudo isso seria a satisfação, que portaria a felicidade, fazendo que um agradasse cada vez mais ao outro, para receber a retribuição na mesma medida.

Certo dia a coisa ficou muito séria. Até ameaças ocorreram, tendo Nelcyr que mudar-se para outro local, colocando fim a uma convivência na qual ele havia investido tudo: Sua vida, sua carreira, sua própria família, além de suas relações de amizade e de seu conceito de pessoa honrada, para aventurar-se em nome de um amor esperava fosse eterno.

A vingança

A justiça do nosso tempo e que tem suas falhas, apesar de estar exatamente aplicando leis, começou na Itália que queria dizer igualdade de todos. Isso é que não conseguimos ver em nossa justiça. As leis não são aplicadas ao pé da letra ou existem falhas propositalmente deixadas por aqueles que as fazem pois tendem a favorecer-se a si ou a alguém que lhe pode ser simpático.

Já a lei antiga lei de talião – latim lex talionis – olho por olho e dente por dente, essa, encontrada no código de Hamurabi em 1780, a.C. na Babilônia, era uma espécie de castigo “espelho” ou seja uma punição igual ou do tamanho da ofensa recebida – princípio da reciprocidade.

Dizem que a vingança é um ato de alguém que já perdeu o equilíbrio mental. Quantas pessoas perdem muito mais que isso. Os assassinos de seus entes queridos estão circulando, por aí, sujeitos a todos os benefícios da sociedade, enquanto as vítimas vivem um verdadeiro inferno e fazem tratamentos para minimizar suas dores e conseguirem sobreviver, graças à imunidade existente em nossa justiça. Na filosofia essa ética (vingança) é debatida, como necessária para se manter um equilíbrio na sociedade. O princípio citado na Bíblia Sagrada em Êxodo 21:24, menciona a prática de reparar o dano causado igualando-o ao sofrido pela vítima. Mas tudo isso tinha o objetivo de evitar excessos ou ações mais violentas, como linchamentos coletivos e outras ações desse tipo.

Portanto, há razões para acreditar na justiça antiga, já que a moderna, instituída por leis repletas de vícios deixam brechas para que não haja eficácia e sim muita discussão.

A mente de Nelcyr

Uma vez se sentindo traído, humilhado e desacreditado por todos, Nelcyr não se conforma, sofre crises depressivas que o conduz a tratamentos psiquiátricos e psicológicos.

Durante meses tratou-se de forma adequada. Frequentava os consultórios de psicólogos, do serviço público, pois não havia possibilidade de pagar consultas particulares. Perdera seu plano de saúde e não tinha condições de pagar as altas mensalidades. Esse fato agravou muito o seu estado de saúde, a depressão aumentou e não mais o deixou. A perda do poder aquisitivo ocasionado, principalmente pelo seu estado depressivo, que o impedia de trabalhar, o havia traumatizado mais que as demais perdas sofridas em consequência de atos maldosos somados àqueles que já o haviam prejudicado tanto.

Ficou em um estado lastimável, recebia a visita de uma senhora que lhe trazia os remédios e o obrigava a comparecer ao médico, tanto ao clínico geral que cuidava de uma parte da sua saúde e ao psiquiatra que mais parecia um tarado que a cada consulta inventava um novo diagnóstico – já colecionava em seu prontuário, Depressão, Distúrbio de ansiedade Generalizada, Transtorno Obsessivo compulsivo e Distúrbio do Pânico - aumentava ou trocava um ou outro medicamento. Nelcyr já se tornara totalmente perdido e sem uma referência. Vivia só e apenas quinzenalmente tinha uma consulta com um psicólogo com o qual se sentia mais seguro e conseguia se soltar e conversar um pouco. Mas de suas verdadeiras intenções não confidenciava. Tinha medo de ser interno em uma clínica para tratamento de pessoas desequilibradas.

Sua mente, somando a confusão provocada pela medicação e o desapontamento que sofrera com a separação, o levou a culpar Daniela por tudo de mal que lhe havia acontecido. Sem condições financeiras para se manter de forma digna, começou a receber ajuda de seus amigos. Perdeu tudo e vendeu o que sobrou, restando-lhe somente o indispensável para uma vida muito simples e carente de tudo.

Nessas condições seu estado foi piorando até que chegou a um ponto que um médico do serviço público ordenou sua internação. Foi, então transferido de moradia para uma clinica em uma cidade próxima. Naturalmente uma clínica mantida pelo Serviço Único de Saúde – SUS.

Nesse internamento ficou por alguns meses, mas nada podiam fazer para curá-lo, parecia que ele não se interessava por isso. Não reagia, apesar do tratamento ser muito rigoroso e eficiente.

Até que teve alta, e voltou para sua casa, ou melhor para o quarto que ocupava.

Volta Nelcyr a mergulhar-se na solidão e depressão, já com a mente em péssimo estado começa a traçar um plano de vingança, contra aquela a quem culpava de toda sua miséria.

O planejamento

Naturalmente a vítima ficará apavorada e para uma vingança, o que satisfaz o vingador é exatamente olhar a expressão do vingado no momento da execução. É uma expressão difícil de ser descrita, tal a forma que a vitima reage ao ter a certeza de que será o seu fim e que nada poderá fazer, nem mesmo gritar ou pedir por socorro. É uma sensação de impotência terrível que ninguém, jamais, explicou. Talvez esse seja o momento exato em que o vingador sente, realmente, o prazer da sua vingança.

O medo de deixar escapar algum detalhe que venha confirmar uma eventual suspeita é, exatamente, o que o deixará mais irritado e sempre evitando falar.

Briga com sua mente, tentando afastar-se daquele projeto, mas às vezes a mente acaba ganhando a batalha e volta ele a planejar a sua vingança.

Esse processo tornou-se uma obsessão para a mente já bem danificada de Nelcyr que passava o dia imaginando um jeito de executar a sua vingança. Pensava somente nisso, não deixando nenhum outro pensamento ocupar sua mente. A noite sonhava que o estava executando, assim eram os seus dias e noites. Não deixava de relembrar o ambiente onde planejava executar o seu plano.

Nessa fase de planejamento, Nelcyr não parava um minuto de pensar, sempre a mesma coisa.

Recapitulando, lembrou-se do recinto, onde dormia a sua futura vítima. Esse ambiente contava apenas com uma janela que permanecia constantemente aberta. Se no momento da invasão essa janela estivesse fechada, restaria um ultimo e derradeiro recurso: bater na porta, chamando, a qual seria aberta pois a Daniela imaginaria ser um de seus filhos chamando por algum motivo. Nessa ocasião usaria a pistola para rendê-la e mais alguém que por ventura estivesse dormindo com ela.

O único inconveniente seria o costume que os filhos tinham de ficar até tarde da noite acordados ou acordarem no meio da noite para ver TV ou usar o computador.

Uma vez lá dentro, imaginava ele, seria o xeque mate, seria a vez dela pagar pelas ofensas. Morreria com a garganta cortada, mesmo estando acompanhada. No entanto o inconveniente de encontrá-la com alguém e ela resolver gritar, enquanto estivesse ocupado na sua imobilização. Teria que usar a pistola. Não haveria outra opção. Depois haveria o inconveniente da fuga. Sempre alguém vê e a possibilidade de reconhecer o fugitivo, não pode ser descartada.

Por uma semana inteira tudo foi estudado e considerado, a coragem estava faltando, mas Nelcyr buscava um jeito de vencê-la. A dúvida teria lugar na ação. Tudo estava planejado e só não seria cronometrado, pela inconstância dos habitantes. Seus horários nunca eram padronizados, estavam sempre adiantados ou atrasados. Com isso era impossível contar.

Acostumado a rondar a casa da vítima, Nelcyr, apossou-se de um chaveiro, com algumas chaves, que alguém havia esquecido na fechadura do portão pelo lado de fora. Não se preocupou com a falta que dariam das chaves, pois sabia que costumavam perder chaves e não se importarem nem mesmo com a troca do segredo da fechadura. Como sabia abrir o portão sem fazer barulho, assim como fechá-lo, entraria e sairia por ele, com naturalidade.

Então o principal estava definido.

Uma peruca negra e um boné também preto dificultaria qualquer identificação, pois já havia sido testado em suas incursões noturnas e funcionado bem. A ação estava programada, terreno já reconhecido e estudado com bastante cuidado.

Tudo preparado, equipamento checado e testado, prontos para serem utilizados cada qual cumprindo sua função, estavam em perfeita ordem, sem qualquer alteração. Essa parte não preocupava mais, pois estava sob controle e prontas.

Era chegado o momento da execução da esperada vingança. No dia seguinte iniciaria, no horário pré estabelecido os primeiros movimentos para completar o plano.

A execução

Como planejado seria cuidadosamente executado no momento certo. Um revolver calibre 38 de pequeno porte, planejado para não ocupar muito espaço, roupa escura apropriada (tênis, bermuda – para ficar pouco em evidência – caso fosse visto. Um cinto por baixo da camisa portavam a faca e revolver. Um boné preto e um óculos comum, sem grau, mas claro, óculos escuros à noite, é pedir para ser suspeito de alguma coisa. Esse disfarce para descaracterizar o agente. Só não podia encontrar uma patrulha da PM fazendo ronda pois eles costumavam revistar as pessoas suspeitas.

Nelcyr optou por uma rua bem discreta com iluminação deficiente e até com certo perigo. Ao chegar na entrada da rua, para não levantar nenhuma suspeita, caso fosse visto, esperou o vigia passar em sua moto e apitando. Entrou pela rua pelo lado contrário e costumeiro, andando com naturalidade para afastar qualquer suspeita.

Olhou para todos os lados e para cima. Não haviam luzes acesas. Como tinha certeza de que ninguém esperava um ataque noturno, passou a chave no portão com todo cuidado para não fazer barulho.

Uma vez lá dentro, com as pernas tremendo e o coração disparado, pensou em desistir e voltar correndo, mas sentou debaixo da escada, respirou fundo, e começou a andar, como fazia anos atrás, durante a madrugada, quando ouvia algum barulho.

Examinou os quartos e todos estavam dormindo tranquilamente. A televisão não estava acesa. A porta da frente estava fechada, a luz do monitor de computador estava apagada. Isso me dizia que alguém que estivesse lá embaixo estava dormindo.

Quando planejou fazer o que estava para fazer, sabia que isso aconteceria e por todo mal que aquela pessoa havia lhe causado ele não tinha o direito de tirar-lhe a vida. Mas essa possibilidade já havia sido debatida cosigo mesmo em muitas oportunidades onde, prevalecia sempre que uma vez começado não havia mais volta tinha que ser feito.

Subiu as escadas, experimentou a porta e esta, como já imaginava estava apenas encostada. Entrou, trancou a porta por dentro, para evitar surpresas e encaminhou-se para o quarto.

Por um momento sentiu, novamente, a vontade de desistir e ir embora, mas não conseguiu.

Em pé e ficou ouvindo aquele ressonar que o deixava arrepiado. Teve pena. Mais uma vez lhe deu vontade retroceder, mas não teve coragem. Não contava com aquela reação. Viu então que ainda a amava. Lagrimas rolaram pela sua face. Ficou ali por algum tempo. De qualquer forma, sendo qual fosse o seu comportamento diante daquele momento nada teria mudado.

Mas ele não a queria matar. Pensou de novo. Quase não resistiu e imaginou atirar-se sobre ela lhe cobrindo de beijos e carinhos. Mas por um momento de lucidez, conclui que se a deixasse, sua vida não valeria mais nada. Então encheu-se de coragem e chorando cortou-lhe o pescoço.

Ela nem acordou. Morreu dormindo. Não soube de nada. Seu primeiro impulso depois disso foi chamar a polícia e se entregar.

Pensou melhor, quando a viu, após acender a luz um pavor tomou conta de Nelcyr que saiu em disparada, abriu o portão e foi embora. Desfez-se de tudo que havia comprado, saiu para longe descartou faca, pistola, roupas, assim como os tênis que estavam manchados de sangue e todo o resto das coisas. Nesse momento não desejava ser preso mais. Preferia ficar solto e ver o que acontecia.

Conclusão

Não teve mais notícias até que quase meio dia alguém ligou para ele contando o que havia acontecido.

Chorou a morte dela.

Não houve despedidas, mas naquele momento, toda raiva tinha acabado, o amor aflorou e ele a queria de qualquer forma, mesmo se humilhando, se diminuindo. Com todas as suas loucuras que ele sempre havia apoiado a queria. Queria incondicionalmente mesmo morta, ele a queria. Custou para se desligar daquele momento.

Até o dia que veio alguém para leva-lo à assistência médica, pois estava em péssimo estado.

Parecia que haviam passados anos, mas Nelcyr já não se lembrava de muita coisa. Nem imaginava como sobreviveu o tempo que nem mesmo havia sentido passar, mas aos poucos foi retornando à vida, à realidade e percebendo que alguma coisa inexplicavelmente misteriosa havia acontecido em sua vida. Não lembrava, mas sentia que algo o havia deixado naquele estado. Estava com a barba muito crescida, cabelos grandes e desgrenhados e colados na cabeça, pois não viam água há bastante tempo, pelo estado que me encontrava.

Estava cheirando mal de longe e causando repulsa nas pessoas.

Passados mais alguns dias, notou que sua mente começou a se mostrar estranha, parece que estava acordando de um sono demasiado longo.

Começou a lembrar ou a imaginar, não sabia bem ou não lembrava de alguns detalhes do que havia planejado, mas não tinha certeza se havia realizado seu projeto.

Pressentiu, no entanto, que havia planejado um ato extremo e não tinha certeza se o havia concretizado. Não teve notícia de nada, ninguém o havia culpado de qualquer coisa. Somente a dúvida tomou conta dele.

Parece que do jeito que essa lembrança que parecia distante veio, desapareceu. Tudo apagou-se de novo.

Nelcyr ainda se encontrava em um grave estado de confusão mental. Tomando muitos remédios que nem tinha conhecimento para que serviam, fazia muita confusão com as doses diárias. Foi então que alguém se dispôs a ir à sua casa, diariamente e separar os comprimidos, anotando a hora que deveriam ser ingeridos. Mesmo assim esquecia de uma ou outra dose e sempre era criticado por isso. Achava que para ele era o fim de tudo.

Às vezes tinha visões e se via na cena de um crime terrível, mas quando recuperava a sobriedade, de nada lembrava. Não se sabe o tempo que isso durou, Nelcyr não tinha a menor noção de tempo.

Abandonou-se completamente. Já não tomava banho, não se alimentava e errava as doses de remédio. Ficou impossível cuidar dele.

Certo dia se sentiu diferente. Parecia ter acordado de um sono profundo no qual tinha muitos pesadelos.

Entrou no chuveiro, tomou um bom banho. Pegou todos os remédios que estavam sobre a mesa, coloco-os em um saco de supermercado e os atirou na lixeira. Resolveu que nunca mais tomaria nenhum daqueles remédios.

Com essa atitude, começou a recuperar a razão e pouco a pouco já estava cuidando melhor da casa e de si próprio. Preparava as refeições e em pouco tempo começou a sair para ir à padaria e em outros lugares próximos de sua casa.

Certo dia, ao atravessar a rua, quase foi atropelado e ao tentar correr, acabou tocando no carro que vinha em sua direção e caiu no meio da rua. Na verdade nem chegou a ser um atropelamento.

Levantou-se e dirigiu-se à calçada, sentando no meio-fio, onde começou a examinar-se para ver o que havia machucado.

Logo algumas pessoas se aproximaram perguntando se estava bem quando de repente escuta uma voz que lhe pareceu muito familiar:

- Nelcyr? É você? Imediatamente identificou aquela voz e ficou muito assustado olhou para a mulher à frente dele e viu Daniela, em pé um pouco confusa, sem saber se o segurava ou o colocava no carro. Estava muito pálida não sabia se por tê-lo visto ou pelo atropelamento. Começou, então, a tremer e sentiu necessidade de encostar-se à parede, com medo de desmaiar.

Ficou mudo, completamente. Já não estava entendendo o que lhe havia acontecido.

Foi neste instante que Daniela se aproximou abaixou-se e lhe perguntou:

- Eu machuquei você? Me desculpa, não foi por querer, sei que não vai acreditar, mas não fiz de propósito, eu estava distraída e não vi você na minha frente.

A surpresa foi tão intensa que Nelcyr não conseguiu articular uma única palavra.

Estava tão branco e tremendo que as pessoas que passavam, aconselharam:

- Dona pega ele e leva no hospital ou chama uma ambulância, ele está mal. Pode morrer aí de repente.

Respondeu ela:

- Mas não foi tão forte assim a batida, foi só um esbarrão. Respondeu o que passava na hora e o ajudou a levantar-se. - Mas a Sra. o atirou no chão e um tombo, para uma pessoa nessa idade é perigoso.

Com a ajuda daquelas pessoas colocou-o no carro e o levou para o Pronto Socorro.

Ao chegar, foi logo gritando da porta:

- Ele foi atropelado e não está bem. Não está falando coisa com coisa. Parece confuso e delirante.

O médico aproximou-se, examinou, abriu meus olhos com os dedos e disse:

- Ele está esquisito. Parece ter visto algum fantasma.

- Ela se aproximou e informou ao médico:

- Ele está dizendo coisas que não estou entendendo.

O médico pediu para ela sair e lhe perguntou:

- Está melhor? Sim, respondeu.

Retorna o médico, examina mais uma vez e pergunta:

- E ai está tudo bem mesmo?

Responde Nelcyr:

- Foi só o susto. Ela nem chegou a me atropelar. Foi apenas um esbarrão e cai, mas está tudo bem.

Teve alta e foi levado de volta para casa por Daniela

No trajeto, voltou a lhe perguntar como estava se seus filhos estavam bem ela respondeu que sim. Tinham me dito que você havia morrido. Ela respondeu:

- Você está enganado e em péssimo estado. Por que você ficou assim? O que foi que lhe aconteceu?

- Eu estive doente e só agora estou saindo de casa. Estava quase que confinado.

- Você ainda mora no mesmo lugar?

- Sim.

- Aonde você ia quando atravessou a rua?

- Estava indo na casa de um parente.

- Quem lhe disse que eu havia morrido?

- Ah! Isso não importa mais. O importante é que você está bem.

Deixou-o em casa e sumiu. Nunca mais a viu. Mudou de cidade e não teve mais notícias dela. Na verdade nem mesmo procurou saber, só queria esquecer tudo e recuperar sua saúde.

O que terá acontecido, de fato?

Será que aquele planejamento e a morte não foram reais? De onde teria, Nelcyr tirado toda essa história? Será que realmente a sua mente o enganara? Será que, doente, imaginou tudo aquilo com a aquela realidade toda?

Será possível a mente tomar o controle da vida de uma pessoa fazendo-o acreditar em coisas que não aconteceram?

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