Seis Homens e Uma Mulher - reeditado
Ela se perdera de sua gente ao deslizar em um barranco à beira da estrada de terra. Estava bem afastada do grupo que ia à frente. Quando viu que, em uma das árvores do barranco havia frutos maduros e, ao perceber que os outros não tinham dado por isso, aliviou os passos e ficou para trás. Com cuidado, começou a descer. Sua intenção era, segurando-se nos próprios galhos da árvore, sentir-se apoiada enquanto algumas passadas cuidadosas a levassem até os cachos que, àquela distância, lhe pareciam apetitosos. Mas as próprias sandálias de couro traíram sua expectativa e ela escorregou, perdendo assim o equilíbrio.
Teve tempo, todavia de abraçar-se ao grosso tronco que a protegera da queda. Se tivesse conseguido suportar o impacto em silêncio, com jeito sairia dali, e com as frutas que eram o seu objetivo; o barranco não era alto, apenas bastante inclinado. Mas a falta de sutileza ou talvez a fragilidade do sexo colocaram-na em maus lençóis. Não conseguiu segurar um grito que, mesmo contido chamou a atenção de dois que vinham atrás do grupo e também um pouco afastados. Correram ao local e entenderam a cena. Desceram em disputa aos cachos maiores, tão cegos e atabalhoados que, para ganharem espaço não hesitaram em empurrar a pobre coitada que rolou barranco abaixo indo parar em outro caminho onde passava, naquele momento, um grupo de homens; ao vê-la não contiveram os urros e os sinais.
Ela ainda tentou levantar-se para sair correndo porque sabia que coisa boa dali também não poderia resultar. A selvageria não tinha fim; a rudeza e brutalidade do homem de Neandertal mostravam-se, com toda sua força e intensidade no seu relacionamento com o sexo oposto; a mulher sofria de fato. Não é que sofresse porque o homem em si era mal, mas por não haver opção para ele. Lutavam por uma mulher talvez com mais empenho e determinação do que quando disputavam, por exemplo, uma ferramenta rara que encontravam em suas intermináveis andanças ou um naco fresco de carne de um animal recentemente abatido.
A mulher não chegou a fazer dois passos e foi alcançada; seus pés se haviam torcido e doíam terrivelmente. Um dos homens do grupo, que devia ser o líder por seu porte físico avantajado, dela se apoderou. Ergueu-a nos ares como se levantasse uma cabra e lançou urros de alegria e vitória, socando acintosamente o vazio. Um deles, não menos musculoso e vivaz, tentou se aproximar num claro sinal de protesto e logo foi rechaçado. O primeiro tirou da cintura o tacape e armou-se de precaução; sua voz, sem fala, mas articulada em brados de entusiasmo e coragem deu a entender que correria sangue se alguém tentasse impedi-lo de conduzir o seu achado. O ousado então se afastou e uniu-se aos outros dois que a tudo assistiam passivamente. Houve a trégua que seria, no entanto breve e passageira.
Havia cavernas, próximas umas das outras e em muito poucas havia casais. Andava-se quilômetros sem fim para se encontrar outra tribo e não era certo deparar com mulheres disponíveis a servirem de companheiras a homens solitários. Conquistas, na sua verdadeira acepção, raramente existiam; mas não eram de todo descartadas. Se se encontrasse famílias, com filhas ainda jovens e descompromissadas, por meio de uma boa troca: um alce vigoroso e produtivo, um conjunto de ferramentas acompanhado de várias peças de couro contra o frio era certo haver negócio e o homem saía dali com sua companheira. Para evitar as investidas de outros menos afortunados ele iria com ela para bem longe e só seria visto anos mais tarde já com filhos crescidos e valentes como o pai.
Contudo, na maioria das vezes era mesmo o mais forte ou inteligente que levava vantagem para garantir a conquista do bem precioso que era a mulher. Durante algum tempo viu-se, o que parecia líder, sossegado e feliz em sua caverna ao lado da sua mulher. Eles entravam e saíam da morada para tocar sua vida e nada de anormal se passava. Caçavam durante o dia, preparavam seu alimento, trabalhavam as ferramentas e secavam o couro. As noites eram dos dois somente; a fogueira ardia, os corpos se aqueciam do frio intenso ao lado do fogo crepitante e amigo; amavam-se; enfim, usufruíam a paz e a felicidade próprias daquele período de calmaria.
Numa bela manhã, ao sair para colher o seu leite, o que raramente fazia sozinha, a mulher avista, na entrada da estrebaria, um homem que desde as primeiras horas do dia já ali se encontrava a estudar todos os seus movimentos. O companheiro dormia àquela hora e ele sabia desse detalhe a seu favor. Logo, tinha que ser rápido e certeiro. Antes que pudesse correr ou gritar ele já a envolvera pelo pescoço, tapando-lhe ao mesmo tempo a boca. Nesse ponto ela, enraivecida, morde-lhe violentamente a mão, o que a faz sangrar e ao homem sufocar um grito de dor e soltá-la. Mas, furioso e para não perdê-la, desfere em sua cabeça um golpe com o seu tacape; ela desacorda e ele a arrasta pelo caminho com todo o silêncio de que é capaz.
As cavernas dos três homens que ficaram em desvantagem ao verem pela primeira vez a mulher eram quase que coladas, ao passo que esta, a do felizardo, era a mais distante de todas. Eles se vigiavam, os perdedores; e por maior que tenha sido a precaução do ousado, saindo pela madrugada para que não fosse visto indo à cata da mulher desejada, nada disso adiantou.
Arrastando cuidadosamente o produto do roubo, foi barrado por um dos insatisfeitos logo que saiu dos domínios da caverna em que dormia o assaltado. Começou assim a disputa. Logicamente, o barulho fez despertar o marido roubado que, logo, de tacape em mãos, partiu para cima dos dois atrevidos. Em meio a essa briga de machos enfurecidos, a mulher dispara para a caverna. O marido, pensando que ela queria fugir, a persegue. Nesse momento surge o terceiro ávido do raro objeto; só que não vinha só; mais dois vinham com ele. Então eram cinco desejosos da mesma mulher e um que, mesmo tendo-a, não queria perde-la. A luta não tinha aliados nem adversários; era cada um por si e todos por uma.
Foram parar no interior da caverna onde a razão da disputa se viu apavorada e encolhida a espera do desfecho daquele massacre. Dois já estavam mortos pelas mãos imbatíveis do marido desafiado. Um preferiu fugir a ter o mesmo destino. Quanto aos outros dois, após verem seus esforços darem em nada, desistiram do seu intento e o que parecia o líder deixou que eles partissem. Daquele dia em diante o heroico e decidido marido nunca mais foi importunado e o casal viveu a felicidade permitida pelas limitações do seu meio de existência.