Contos do inconsciente. N° 7 (A fome)

Pai e filho estavam se escondendo debaixo de uma grande rocha no meio da floresta e sabiam que a qualquer momento seriam descobertos. Já ouviam os passos sobre o mato seco como também a ofegação dos cães que estavam em seus encalços. Não havia mais para onde correr, tudo estava perdido. Mas o que estaria perdido, realmente? Neste momento, o foco em primeira pessoa estava na percepção do filho, tendo este notado que não estavam em posse de nada, não roubaram ou furtaram nada, então, o porquê da fuga?

- Achamos eles, senhor!

Um policial, com um pastor alemão na coleira, descobriu o esconderijo da dupla e avisou seu superior, que deveria estar a poucos metros dali. Pai e filho, ao saírem do lugar um tanto pequeno e úmido, não viram mais ninguém, nem mesmo o policial com o cão. A dupla seguiu em direção a uma trilha estreita, com mato denso e fechado em volta.

- Não se preocupe, meu filho, eu conheço todos esses policiais, eles só estão fazendo o serviço deles. Vamos em frente, temos que achar o livro e acabarmos com a fome.

O filho ficou imaginando que livro seria esse e como seria útil para matar a fome. O pai, na vida em vigília, tinha um projeto social que ajudava muitas pessoas que estavam passando por certas necessidades de higiene, moradia ou alimentação; talvez seria em relação a essa fome que o pai estaria se referindo, afinal, ambos aparentavam não estar precisando de comida.

Sem saberem por quanto tempo caminharam, talvez um minuto ou uma hora, chegaram ao fim da floresta, na qual havia uma passagem por uma porta que estava aberta, irradiando uma luz de extremo brilho vindo do outro lado da soleira.

- Acho que o livro está lá, vamos!

- Pai, que livro é este e para que serve?

- O livro se chama “terminar com a fome”, de E.E Cummings.

O filho conhecia o poeta americano apenas pelo nome, nunca havia lido nenhuma de suas obras, nem um único poema seu, e tinha certeza de que este livro não existia. A única coisa que sabia sobre E.E Cummings era que o poeta foi um dos principais inovadores da linguagem da poesia e da literatura no século XX, construindo sua obra sem adotar os métodos convencionais na criação da sua arte.

Ao transporem a porta, o ambiente onírico agora era outro; não estavam mais na floresta, mas sim em uma enorme biblioteca, com pilhas de livros até o teto.

- Ainda está com fome, meu filho? Sirva-se à vontade.

Tudo pareceu bastante confuso ao filho. Qual seria a relação entre esses elementos? Quem sabe pelo fato do nome do poeta americano ser parecido com o verbo “comer”, bem como pelo motivo de o filho nunca ter “comido” dessa refeição, qual seja, a poesia de vanguarda de E.E Cummings. Tudo isso era bem estranho, embora nessa interpretação pudesse estar o umbigo do sonho. Seja como for, o filho sabia que, independentemente do real significado, quando acordasse, iria tomar conhecimento da obra de E.E Cummings e saciar um pouco dessa fome.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 24/09/2023
Reeditado em 26/09/2023
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