Árvore de Hibisco
Tinha alguém batendo na porta. Bia foi atender:
— Oi Leo, tudo bem? Entre, sinta-se em casa.
Leo deu dois beijos na bochecha de Bia.
— Boa noite! Licença…
Ele entrou e olhou para os lados tentando achar uma cadeira para sentar. Encontrou uma que ficava ao lado de uma mesa.
— Por que você me chamou para vir aqui? – perguntou Leo cruzando as pernas.
— É que estou pintando e estava sozinha – respondeu Bia – além disso, meu irmão trouxe um litro de cachaça da roça e imaginei que você gostaria de beber enquanto conversamos.
— Prefiro vodca mas tomo qualquer coisa. Vai beber também?
— Não, estou pintando.
Leo esticou as pernas dizendo:
— Tudo bem, eu estou acostumado a beber sozinho mesmo.
Bia deu um sorriso discreto e foi para a cozinha. Ela ficou na ponta dos pés para pegar a garrafa de cima da geladeira.
Enquanto isso Leo olhava para todos os lados. Olhou atentamente para o quadro e perguntou:
— É uma árvore o que está pintando?
— Sim, uma árvore de hibisco – respondeu Bia enquanto voltava para a sala com a garrafa e um copo – falta as folhas e as flores.
— Está ficando bonito, parece uma pintura que Van Gogh faria.
— Obrigado – agradeceu Bia colocando o copo e a garrafa na mesa – mas ainda sou amadora na pintura.
— Mas está muito bonito.
Bia pegou a paleta e começou a pintar as folhas.
— Bia você não tem tinta vermelha? Como vai fazer as flores?
Ela segurando o riso respondeu:
— Isso é um problema que daqui a pouco será resolvido. Pode beber já, essa é da boa.
Leo encheu o copo e bebeu em três goles.
— Se beber rápido vai ficar tonto quando levantar – alertou Bia – se essa é sua intenção vá em frente.
Leo encheu o copo mais uma vez e bebeu rapidamente. Em seguida ele se levantou e quase caindo para o lado disse com orgulho:
— Não fico tonto, estou acostumado a beber!
— Tudo bem, se você se orgulha de ser alcoólatra – eu não me orgulharia disso.
— Não sou alcoólatra sou apenas forte – como um homem deve ser.
Bia riu e voltou a pintar. “Ele é um fanfarrão mesmo” pensou enquanto pincelava delicadamente.
Antes de se sentar novamente Leo notou algo estranho: havia um formão e uma marreta no lado oposto da mesa. Estranhando ele questionou:
— Bia o que é essas ferramentas em cima da mesa?
— Ah, é umas ferramentas que o vizinho devolveu. Está aí porque não sei onde guardar.
Leo se sentou e encheu mais um copo de cachaça. Ele já estava tonto mas queria se fazer de “forte”.
— Leo do que você tem mais medo? – perguntou Bia pintando serenamente.
— Tenho medo de morrer dormindo – respondeu entre um gole e outro – acho desesperador ir dormir e não acordar mais.
— Que pena! – Mas a cachaça está boa?
Leo fez uma cara de confuso e respondeu:
— Está boa sim, tem um gosto suave mas ao mesmo tempo forte.
Bia pincelando tranquilamente perguntou:
— Mas isso não é contraditório? Tipo, se é suave não tem como ser forte.
Leo riu de forma torta respondendo:
— Você não entende de bebidas – seu irmão entenderia o que quero dizer.
Bia continuou a pintar em silêncio. Enquanto isso Leo bebia cada vez mais.
— Sabe Bia, te considero como uma grande amiga e nunca teria segundas intenções com você – disse Leo arrastando as palavras – não estou bêbado só queria agradecer pela sua amizade.
— Obrigado Leo, gosto de ser sua amiga e serei até a sua morte.
Leo torceu o nariz perguntando:
— Mas como você sabe que não vai morrer antes do que eu?
Bia pintando as folhas verdes respondeu:
— Olha, você bebe demais e isso reduz bastante a expectativa de vida.
— É verdade – concordou enquanto enchia mais um copo – mas ainda tenho muito tempo pela frente, tenho só 23 anos.
— Creio que não – disse Bia – mas o que você está achando da pintura? Tem algo para melhorar?
Leo entre os goles respondeu:
— Está maravilhoso, não teria como ficar melhor.
Bia se virou para ele sorrindo e agradeceu.
— Mas Bia, como você vai fazer as flores de hibisco se não tem tinta vermelha?
Bia continuando a pintar as folhas respondeu:
— Isso não é um problema, eu tenho a tinta só vou usá-la quando precisar.
Leo afirmou com a cabeça e encheu o copo novamente. Sobrava apenas um sexto de bebida na garrafa.
Bia enquanto pincelava firmemente perguntou:
— Qual sua cor favorita? A minha é vermelho.
— A minha também é vermelho – respondeu enquanto virava a garrafa – já acabou a cachaça, tem mais alguma coisa para beber aqui?
Bia enquanto tocava o pincel na paleta respondeu:
— Você não precisa de mais álcool, daqui a pouco você vai apagar.
— Não vou mesmo – disse Leo caindo para o lado – eu estou super bem.
Ela continuou a pintar tranquilamente. Após alguns minutos em silêncio já era possível escutar Leo roncando.
Bia deu um peteleco em sua orelha, e concluiu que ele já dormiu. Com dificuldade ela puxou Leo pelo braço, que caiu no chão de bruços. Ela virou ele com a barriga para cima e o arrastou até perto do quadro.
Bia pegou o formão e a marreta e bateu contra o coração de Leo. Após algumas batidas já escorria muito sangue.
Ela pegou um pincel limpo, se agachou e molhou o pincel cuidadosamente no peito de Leo, que morria enquanto dormia. Bia se levantou, pintou uma flor de hibisco, se agachou e pegou mais sangue e seguiu repetindo esses passos quase que mecanicamente, até concluir sua bela árvore de hibisco.