Deuses modernos
- Elnarÿ Panahova... - disse o entrevistador, currículo na mão. E erguendo os olhos para a entrevistada:
- Pronunciei certo?
- Sim - respondeu ela, com ar satisfeito.
- De onde você é, Elnarÿ? - O entrevistador pousou a folha de papel impressa sobre a mesa atrás da qual estava sentado.
- Daqui mesmo - a jovem disse, parecendo divertir-se com a pergunta. - Mas se está se referindo ao meu nome, meus pais emigraram do Azerbaijão para cá antes do meu nascimento.
- Ah! Azerbaijão! - O entrevistador balançou a cabeça em concordância, como se aquilo não devesse parecer perfeitamente óbvio. - E você tem... religião?
O ar de satisfação deixou o rosto de Elnarÿ. Qual seria a resposta correta a dar, supondo-se que havia uma? Finalmente, deicidiu-se a dizer a verdade:
- Não tenho nenhuma. Como os meus pais, aliás.
Curiosamente, a expressão do entrevistador pareceu relaxar-se ao ouvir a resposta.
- Interessante! Imaginei que por terem vindo do Azerbaijão, seriam praticantes do islamismo.
- A maior parte da população de lá realmente segue o islamismo, mas o Azerbaijão é um país laico - refletiu Elnarÿ. - E durante os cerca de 70 anos em que fez parte da União Soviética, religião não era algo a que se dava grande importância. Mas haveria algum problema se eu fosse muçulmana?
Agora era o entrevistador quem estava sorrindo.
- Particularmente, prefiro que meus funcionários não tenham religião. Então, o seu currículo veio a calhar.
Elnarÿ entrelaçou as mãos no colo e perguntou calmamente:
- Então, a vaga é minha?
- Você pode começar na segunda de manhã? - Indagou o entrevistador.
- Estarei aqui - afirmou ela convicta.
* * *
De volta à casa onde ainda morava com os pais, Elnarÿ fez uma videochamada para sua melhor amiga, Amara James.
- Consegui o emprego - exclamou eufórica, deitada em sua cama de solteira.
- Achei que iria conseguir - redarguiu Amara, o rosto ansioso enchendo a tela do celular. - Ele perguntou sobre a sua religião?
- Sim... fiquei receosa, mas fiz como você me disse.
- Bem, você não mentiu; afinal de contas, não segue nenhuma religião constituída.
Um sorriso sardônico surgiu no rosto de Elnarÿ:
- É melhor ser quem é adorada, não é mesmo?
- Você mesma o disse, suprema divindade - replicou Amara num tom de falsa reverência. - E agora que vai estar lá dentro, o que pretende fazer em seguida?
- Vamos seguir com o plano: descobrir quais são as fraquezas dele e mandá-lo de volta para o lugar de onde veio - especificou Elnarÿ. - Daí, poderemos direcionar os que o seguem para mim.
- Tudo para sua maior glória, suprema divindade - comentou Amara. - Só não se esqueça de me chamar para participar quando anunciar sua vitória pelo Instagram.
- Eu me lembrarei de quem esteve comigo desde o início - concedeu Elnarÿ. - Esse Stories vai ser épico!
- Ainda temos um longo caminho até lá - ponderou Amara. - Nada de perder o foco, suprema divindade.
Elnarÿ tocou com dois dedos na testa em saudação, antes de desligar.
- [13-08-2023]