O CARRO VERMELHO DE KIM BASINGER

Estava confirmado. Kim Basinger estava passando férias em São Paulo. Toda a imprensa havia noticiado que a atriz era tão excêntrica como qualquer outra super estrela de Hollywood.

Dentre suas excentricidades havia uma muito especial. Onde quer que fosse passar férias levava sempre consigo, em seu avião particular, um carro vermelho fabricado pela Volkswagem do Brasil, um Gol 88.

Por que um Gol 88? Por que não um modelo mais valioso? Por que não um carro mais moderno, veloz?

Lá em Hollywood ninguém deu a menor importância para essa excentricidade, mas aqui, desde que se soube, houve um desconforto geral entre os jornalistas que não conseguiam nem escrever sobre o assunto. Para eles, Kim Basinger viajar com o carro no avião não causava qualquer espanto mas sim o fato de ser um Gol 88 vermelho. E ninguém arriscava nem ao menos falar sobre o assunto com a super estrela. Perguntavam sobre planos futuros, casamentos acabados, próximos filmes etc., mas nunca sobre o carro.

Bem, a outra excentricidade não é bem uma excentricidade, apenas um prazer especial de quem lutou para ser conhecida, adorada, idolatrada pelo público do mundo inteiro. Kim fazia questão de andar livremente pelas ruas dos lugares onde visitava, naturalmente, sem se esconder por detrás dos óculos escuros para não ser reconhecida e incomodada pelos fãs. Quando os usava era em virtude do sol do verão brasileiro. Do contrário, sorria para todos que a cumprimentavam, sentia prazer em ser notada e em dar autógrafos. O seu corpo escultural causava sensações inúmeras. Os homens a acariciavam com os olhos, as mulheres invejavam-na.

Mas, naquele verão, soou como um gongo chinês, uma notícia bombástica: Kim Basinger veio passar férias em São Paulo e trouxe, naturalmente, seu Gol 88 vermelho e, no entanto, não vai levá-lo de volta aos Estados Unidos. O carro deverá ficar no Brasil.

Um grande leiloeiro, antevendo a oportunidade, já se prontificou, de imediato, a leiloar o objeto e doar parte da renda, 5 por cento, para instituições de caridade. Mas ela descartou a hipótese, desconfiando imediatamente. A própria empresa fabricante do veículo ofereceu uma fortuna para que ela participasse do lançamento do novo modelo do Gol, chegando de Gol Vermelho 88 e saindo com um novinho em folha. Ela não aceitou.

Um grande Shopping Center, vislumbrando o interesse do público, ofereceu seu enorme saguão para expor o Gol 88 Vermelho de Kim Basinger e atrair público, ao que ela concordou.

Após alguns dias de exposição, o carro vermelho de Kim já não causava nenhum impacto, tanto que a direção do Shopping já não sabia o que fazer com aquele veículo de frente empinada, tal e qual um cavalo de um herói de faroeste. Mas haviam assinado um contrato por um mês de exposição e não queriam pagar multa, descumprindo-o.

Foi numa dessas tardes em que, enquanto umas poucas pessoas se quedavam perplexas diante do carro vermelho, eu estava sentado observando o veículo e vi Kim Basinger em pessoa.

Um lenço branco enrolado por sobre seus cabelos dourados caia suavemente sobre seu vestido vermelho que bem harmonizava com o carro empinado no saguão. Passou por mim, lançando olhares sedutores ao público que, espantado, não acreditava que aquela deusa escapara da tela da salinha escura e estava bem ali mesmo, diante de seus olhos. Seguida por meia dúzia de seguranças, ela tomou uma escada rolante que descia para o pavimento inferior, enquanto eu a seguia com os olhos.

De repente, levantei-me e, debruçado no corrimão, com toda a força que meu pulmão permitia e minhas aulinhas de inglês, gritei: "Kim, I want to buy your red car! Can we talk about it?".

Por um instante, dei-me conta do que disse e percebi todas as pessoas do Shopping olhando-me e perguntando-se quem eu era para querer comprar o carro vermelho de Kim Basinger. Bem, é certo que nem eu mesmo sabia a resposta. Embora quisesse um carro, não tinha dinheiro suficiente para comprar sequer um Gol 88 qualquer, quanto mais o Gol 88 Vermelho de Kim Basinger. Estava fascinado com tudo aquilo. Sentia-me audacioso em ter feito a proposta de compra para o carro vermelho de Kim Basinger, mesmo sem ter qualquer condição para comprá-lo.

Muitas coisas, como estas, passavam pela minha mente, enquanto Kim e seus seis guarda-costas deslizavam suavemente escada rolante abaixo de mim.

E qual não foi minha surpresa, quando segundos antes de terminarem a descida, Kim, virou-se e olhando para cima, em minha direção, com seu dedo indicador direito pressionando seus lábios rubros de batom mandou-me um beijo, direcionando com sua unha vermelha e longa, articulando movimentos sutis de vai-e-vem, ao que entendi prontamente que estava me chamando. Quedei-me pasmo, sem saber ao certo o que meus olhos haviam visto. Naquele momento, nem poderia justificar tudo aquilo por causa do calor, pois a temperatura naquele Shopping era infinitamente inferior aos 37 graus que fazia lá fora, naquela tarde de verão.

Sentei-me novamente no banco almofadado do saguão, apreciei mais uma vez o carro vermelho de Kim Basinger, enquanto sorvia os últimos goles de refrigerante de copo descartável.

Muitos minutos se passaram. Já não havia um pessoa sequer observando, além de mim mesmo, o carro vermelho.

Cabisbaixo que estava, fiquei atônito quando ao levantar os olhos fui surpreendido com três brutamontes vestidos em preto, de óculos escuros. Um deles disse na minha língua mesmo: "Kim, quer vê-lo! Venha!"

Meus batimentos cardíacos aceleraram, como sempre acontecia em momentos como aquele e mal pude conter o suor que escorria pela minha fronte. "O que será que ela queria comigo?" - perguntava-me. "Será uma piada? Uma pegadinha de televisão?" - questionava.

Mas fui vê-la sim. Quem não gostaria de estar naquela situação!

Fui levado a presença estonteante de Kim Basinger. Ela assinava alguns papéis e dava algumas ordens, que não conseguia entender. "Esses americanos falam muito depressa!" - pensei.

Kim virou-se para mim e perguntou, numa espécie de portanglês, com um sotaque super acentuado: "Então você quer meu carro vermelho...".

Com um sorriso amarelo, nem soube o que responder. Gostaria mesmo é de beber um copo de água mineral e de ser beliscado sem dó. Apenas dei de ombros, num sinal de que se pudesse, gostaria.

"Bem, o carro é seu. E não precisa pagar nada por ele. Mas tem uma condição!!" - foi o que ouvi de seus lábios carnudos e exuberantes.

Não conseguia pronunciar uma palavra sequer.

Alguns minutos depois, estava ao volante do carro vermelho de Kim Basinger e, melhor do que isso, com a própria do lado trafegando pela Avenida Paulista. Uma bateria de motos da polícia nos escoltava.

Ela sempre viajara com o carro, mas nunca havia entrado nele realmente e muito menos passeado dentro dele.

Por instantes, me senti o homem mais feliz do mundo. Tinha o carro vermelho de Kim Basinger e Kim Basinger do meu lado. Ao mudar de marcha, arrisquei em tocar em sua perna, quase atropelando o motociclista que vinha ao nosso lado.

(Edmilson, relatando um sonho: Encontrei este texto nos meus guardados de informática. Escrevi a partir das lembranças de um sonho de dezembro de 1999, se não me engano, sem tirar nem por quaisquer elementos. Tudo o que está escrito e descrito está da forma do sonho. Sem revisão de texto, nada! É um besteirol, uma bobagem surrealista mas..."