O buraco negro.
Sexta-feira, o expediente estava encerrado e todos já haviam largado do serviço, somente Pedro continuava trabalhando. Ele era o homem de confiança do chefe e tinha a chave de entrada da loja.
Pedro colocou o papel em branco na bandeja da máquina copiadora pelo lado direito e apertou o botão, a máquina puxou, imprimiu e expeliu a folha na bandeja de saída pelo lado esquerdo. Ao pegar a cópia pra conferir o resultado ele estranhou o grande círculo preto estampado no papel, reprovou aquela reprodução e descartou para o lado o serviço, apanhou outra folha em branco e inseriu na máquina. Antes de acionar o botão para nova impressão ele passou a mão no copo e bebeu o pouco de café que ainda lhe restava. Com a atenção voltada para o painel abaixou a tampa do escâner com uma das mãos, com a outra depôs o copo vazio sobre a folha rejeitada logo ao lado, curiosamente sobre a forma redonda impressa exatamente no centro do papel. Que estranho! Tive a sensação de que o copo caiu, ele matutou. Olhou para ver o que acabara de fazer e não encontrou o copinho descartável que largou, naquele instante, sobre a folha em cima do balcão. Afastou-se do armário e procurou no assoalho mesmo sabendo, intuitivamente, que era o local menos provável para o encontrar. E confirmou que, no chão, o copinho realmente não estava. Intrigado abeirou-se do móvel e ergueu o braço defronte do papel sobre a bancada, aproximou a mão do círculo preto para o apalpar, mas, em vez de tatear, a mão afundou de vez e sumiu, num vazio negro. Que isso?! Num impulso natural recolheu o braço e se afastou. Conferiu a mão de um lado e do outro, constatou que ela estava intacta e mantinha sua integridade preservada. Querendo entender aquele fato incomum olhou o papel bem de perto, analisou com cuidado, e como não encontrou nada de errado, muito pelo contrário, a folha com a impressão lhe pareceu normal e inofensiva, concluiu que estava apenas diante de um fenômeno raro e não havia motivo para se preocupar. Confiante de que nenhum mal poderia lhe acontecer decidiu explorar o mistério. Elevou novamente o braço e mergulhou a mão no nada do buraco negro. Sem recear o desconhecido desceu todo o antebraço no vácuo até a altura do cotovelo, a mão tocou no copinho, agarrou e o trouxe de volta. Ele examinou com atenção o objeto, girou, observou por fora, por dentro atestou o vestígio do café, aquele era o seu copo. Agachou-se e abriu a porta do móvel exatamente sob a folha no balcão, dentro havia uma prateleira, com certeza aonde o copinho foi parar. Inseguro perante tamanho absurdo Pedro ficou de pé, pegou a cópia, ergueu-a à sua frente e enfiou a mão no vazio da forma impressa. De novo ela desapareceu no vácuo seguida do braço até próximo do sovaco, entretanto, embora estivessem ocultos continuavam perfeitamente como parte integrante do seu corpo. Pra se certificar primeiro ele dobrou e esticou o antebraço, depois mexeu os dedos, em seguida fechou a mão e apertou com força, como se estivesse espremendo um grão de areia. Tudo normal. Sentiu cada movimento. Ao final percebeu que o único incômodo era mesmo o visual. Ver seu membro desaparecer no nada, assim às claras e tão próximo das suas vistas, realmente impressionava. A partir de então definitivamente não mais se intimidou.
Ele já experimentava um misto de assombro e curiosidade com a novidade, quando lhe ocorreu uma ideia. Sem perda de tempo tratou de se certificar. Estendeu a cópia sobre a porta de vidro da máquina de doces, enfiou a mão através do círculo preto e apanhou lá de dentro uma barra de cereal exposta na prateleira. - Isso funciona! Exclamou afinal.
Agora, muito animado com o círculo fenomenal olhou ao seu redor enquanto comia o doce. Percebeu que estava de frente para o gabinete do chefe. Dentro havia um cofre enorme, quase da sua altura, e provavelmente cheio de dinheiro. Éh! não custa tentar, pensou. A alegria estava estampada no sorriso dos seus lábios. Decidido ele caminhou até a porta do escritório, encostou a impressão na altura da fechadura, enfiou a mão através da imagem redonda no papel, girou a maçaneta pelo lado de dentro e abriu a porta. Depois, aproximou-se do armário, ajoelhou-se em frente e segurou a folha apoiada na porta do cofre com uma das mãos, introduziu a outra pelo buraco negro e pegou um maço de cédulas. Repetiu o movimento e trouxe o segundo. Empolgou-se e continuou retirando pacotes de dinheiro até que o braço esticado não alcançou mais. Ao seu lado, no chão, não sabia quanto, mas já tinha muita grana, quantidade suficiente para encher, com maços de cédulas, uma sacola de mercado, e com sobra. Pedro queria mais. Arranjou um pedaço de fita adesiva, grudou a folha na porta do armário reforçado e esgueirou-se pela caixa de metal adentro, passou através do círculo preto se esticando feito um contorcionista de circo com impressionante flexibilidade: primeiro os braços, a cabeça, depois o tronco...
E o inesperado aconteceu.
Assim que ele penetrou no cofre, uma corrente de ar invadiu a sala pela porta aberta do gabinete e despregou a fita adesiva, o papel caiu planando em leve coreografia e escorregou pra debaixo do armário. Passada a corrente de ar a porta do escritório então bateu, numa pancada seca. Fechou-se. E o silêncio fúnebre tomou conta do lugar.
Reeditado