Nascimento Invertido

Ele chegou de madrugada ao necrotério. Não se sabe o porquê que os funcionários locais não o inquiram sobre sua entrada. Sem crachá ou qualquer objeto que o identificasse, penetrou os corredores gélidos daquela instituição fúnebre. Chegou até a consultar o livro onde registravam as entradas de corpos naquele ambiente.

Adentrou a sala 207 e fechou a porta. Vasculhou cada gaveta onde jaziam pessoas mortas. As câmaras filmavam todo o movimento daquele estranho sujeito naquela sala. Abriu uma a uma, despreocupadamente, como se estivesse tentando procurar alguém que lhe fosse conhecido.

Por fim, a abertura de um dos compartimentos revelou um corpo de uma mulher bastante idosa, enrijecida pelo tempo que estava ali, completamente pálida e inerte. Ele parecia chorar bastante ao vislumbrar aquele corpo de quem um dia fora sua mãe. Parecia não compreender o processo final de uma exaustiva vida. Conversava com a morta. Pedia-lhe mil perdões. As lágrimas encharcavam o rosto e o corpo nu da idosa.

Foi quando, subitamente, o sujeito abriu-lha as pernas. Ele retirou suas roupas, uma a uma, a chorar copiosamente. Parecia um extremo e grave caso de necrofilia. Contudo, ele encurvou- se a ponto de enfiar as duas pernas no canal vaginal da mulher morta. Penetrava-a vagarosa e lentamente, a fim de não lhe causar uma suposta dor.

Seu corpo foi adentrando aos poucos o corpo da falecida. Primeiro as longas e peludas pernas, em seguida o quadril e por fim a região da barriga. Ele gritava, a chorar copiosamente. Como se estivesse a ser sugado pelo corpo da mulher, adentravam sua barriga e seu peito, a sumirem em seguida.

Alocou os braços que penetraram subitamente e, por fim, a cabeça começou a desaparecer, entrando pela abertura vaginal. A barriga da idosa crescera assombrosamente de volume enquanto o homem entrava dentro de si. Quando a cabeça por fim desaparecera, aquela cena da idosa grávida ficara indelével nas câmaras.

Por dentro, o homem retornara ao útero porque um dia saíra. Em posição fetal, começara a diminuir de tamanho a cada segundo. Toda a sua vida fora retornada em uma pequena fração de tempo: a vida adulta, a adolescência, a infância, a gestação. Ao fim, sumira no útero morto de sua mãe morta.

Quem visse, não cria naquele nascimento invertido. Um homem que volveu ao útero por ressentimentos ora inexplicáveis.

Guilherme Zelig
Enviado por Guilherme Zelig em 05/06/2023
Código do texto: T7805718
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.