PREGUIÇA
UM MINICONTO SURREAL
Ante aquela preguiça literária, pus-me a escrever com a mente. Escrever não sei o que. Nem onde ou pra quem; pois pegava uma folha de papel em branco e tentava, inutilmente, transpor ao papel, algumas páginas daquele romance ainda por escrever. Mas o papel, insistentemente, continuava branco, tal uma planície de neve a doer nos olhos. Segurava o lápis e ficava contemplando o grafite, como se quisesse extrair dele, as ideias para deflorar a pureza daquele papel, ainda branco, que estava ali sobre a mesa. Olhando-me com desdém, rindo da minha total ignorância literária. Senti um calor invadir meu corpo, subindo dos pés à cabeça, sufocando-me, apossando-se da razão agora cega e surda...
...O suor gotejava rápido, em gotas grossas e esparsas, banhando meu corpo cálido e sedento de vingança!
Imbuído de uma ânsia febril e incontida, desembainhei com ímpeto, o referido objeto escrevente, como se quisesse gritar. Meus lábios abriram-se a derramar um gemido gutural, quase imperceptível à minha vontade, e gritei:
- Independência ou morte!
...Refeito do grito catártico, aspirei profundamente a brisa da noite e, concluí:
- Ou eu escrevo ou o diabo sabe disso!
Segurei o lápis e, como um aríete, arremessei-o de encontro aquela folha de papel em branco, com a fúria de um bárbaro, entrincheirado pelo ódio de tudo que era branco!...
O papel, agora desvirginado, jazia inerte sobre a mesa de um escritor, ainda sem estórias. De um poeta sem a sua musa inspiradora, que lamentava, ao perceber, derrotado, que o lápis havia se partido, deixando apenas, um traço disforme num papel, onde nada se lia e que fora deixado à mercê do vento frio da madrugada, que entrava farfalhando pela janela do quarto.
No outro dia o pobre escritor acordaria de ressaca...