A casa dos meus avós (homenagem à Rita Lee)
A Casa dos meus avós
Quando eu cheguei na casa dos meus avós para lhes fazer uma visita, notei que a porta da rua estava apenas encostada. Nesse caso, resolvi puxar a maçaneta lentamente para entrar sem fazer muito barulho, pois eles costumam dormir um pouquinho depois do almoço, mas logo comecei a ouvir um som esquisito que vinha direto da cozinha. Corri até lá e então me deparei com a seguinte cena: a minha avó estava dançando em cima da geladeira apenas de sutiã e calcinha, enquanto o meu avô, completamente nu e sentado no chão, batucava nas panelas e cantava umas músicas estranhas. Assustado e sem entender o que estava rolando, fui logo perguntando:
- Que que tá acontecendo aqui, gente?!... Vó!... E você, vô, você...você continua tomando aquele xarope, é isso?!... Lembra que, na sua última reação, o médico falou... Vó, olha pra mim, precisamos voltar ao neuro, temos uma lista enorme de exames pra fazer, não é!...
Mas os dois não davam bola para o que eu falava, pareciam estar em um transe dos bons que só alguns adultos daquela geração poderiam desfrutar, supus depois. Estavam tão concentrados na sua essência de viver que não percebiam aquele adolescente ali, completamente atordoado e literalmente desfamiliarizado. Logo o meu desconforto foi crescendo diante da naturalidade daqueles dois que, de repente, comecei a sentir uma enorme onda de calor tomando conta de todo o meu corpo. Avalio agora que era o calor do constrangimento, por não ter entendido a “piada”. Corri para o banheiro, fui tomar uma ducha.
Quando voltei àquela cena enigmática, notei uma troca de olhares debochados e de cumplicidade dos meus avós e resolvi pagar pra ver. Abri a geladeira - a minha avó continuava firme lá em cima -, peguei um refrigerante e sentei em um banquinho da cozinha tentando manter um equilíbrio que não cabia em mim. Acho que aquele tipo de música, aquelas letras tão transgressoras, tão libertadoras foram me acalmando a tal ponto que acabei cochilando debruçado na mesinha da cozinha.
Despertei com o riso estridente dos meus avós já vestidos e sentados à minha volta. Depois de rirem muito da minha cara de ainda desentendido, o meu avô acabou me contando que aquelas músicas eram de uma cantora que havia falecido há poucos dias, a Rita Lee, e que eles estavam ali relembrando os seus velhos tempos de jovens.
Essa foi a homenagem mais original que já vi alguém fazer a um artista. Depois desse dia, percebi que sou um adolescente velho; os meus avós são muito maneiros, cara!