O QUARTO DAS AFLIÇÕES

 

Desde que Genésio foi internado naquele hospital psiquiátrico que sua irmã Genilda não tem sossego. Há cerca de um ano que ele ali convaslece, mas não se vislumbra nenhuma melhora e o que ela sempre ouve nas pouquíssimas vezes que ele consegue articular algumas palavras é que deseja morrer, prefere a morte a essa vida sem sentido. Os dois eram sozinhos, solteiros e ela cuidou muito dele desde o falecimento dos pais e do irmão caçula em um acidente de carro, dias depois Genésio apresentava sintomas de loucura e a necessidade de internamento. Genilda estava sempre ali no quarto velando o irmão, praticamente morava ali, quando precisava sair por necessidade deixava uma pessoa no seu lugar para que ele não ficasse só. Foi preciso colocar Genésio em um quarto separado, sozinho, para que não incomodasse os outros pacientes, pois ele gritava, soltava urros e não deixava ninguém dormir.

 

Genilda tenta ligar o presente ao passado, acha que existe algo que possa ter provocado a loucura do irmão, pois em algumas ocasiões ele cita o nome do pai, pede desculpas a mãe e ao irmão. O acidente ele sempre cita durante seus gritos ou urros. Nos momentos de aparente calma, quando não está dormindo por força da sedação, ele fixa o olhar no vazio e diz: "não era prá ser assim", é a única frase que consegue dizer, voltando depois aos berros, nenhuma outra palavra consegue articular.

 

Naquele fatídico dia o Sr. Herculano discutiu mais uma vez com o filho, Genésio queria a todo custo uma certa quantia em dinheiro para resolver umas pendências suas, o que foi negado pelo pai, já cansado de tanto dar dinheiro para ele sem saber para que fim era destinado. Chamava-o de preguiçoso, já que não era chegado ao trabalho na fazenda, enquanto o irmão bem mais novo dava esse prazer ao pai. O velho pegou as chaves da camionete e foi "dar um grau" nela, depois do almoço viajaria para a cidade vizinha onde tinha negócios e conversaria com o gerente do banco para que bloqueasse uma vultosa quantia fruto de lucros de suas atividades, não desejava mexer nesse dinheiro nem tão cedo. Fez o serviço e foi tomar seu banho para em seguida almoçar e viajar. Genésio pegou as chaves discretamente e foi até o local onde estava estacionada a camionete, Genilda percebeu mas de nada desconfiou. Depois de algum tempo voltou e almoçou normalmente com a família. Enquanto o pai se preparava para sair ele saiu primeiro com destino a cidade em um carro seu. Descansou um pouco o Sr. Herculano e preparou-se para viajar quando inesperadamente sua esposa, d. Norma, decidiu ir também junto com Herculaninho, seu filho caçula. Isso não estava nos planos, mas o velho aceitou e levou a mulher com o filho, entrou no veículo e iniciou a viagem.

 

Já de tardezinha Genésio chegou da cidade e procurou a mãe sendo informado pela governanta que ela também tinha ido com o marido e o filho mais novo. Esse homem entrou em desespero e caiu em prantos, o que deixou a governanta confusa sem saber o que estava acontecendo. De imediato, mesmo sem condições de dirigir, pegou o carro e já ia ganhar a estrada quando uma viatura da Polícia Rodoviária adentrou a fazenda. Curioso Genésio foi atender os policiais e recebeu a triste notícia de que a camionete havia perdido os freios e se precipitado em uma ribanceira causando a morte de seus ocupantes.

 

No quarto do hospital psiquiátrico Genilda chora silenciosamente, seu irmão tem uma crise violenta e grita desesperadamente, ninguém pode fazer nada, também ele não pode ficar sedado o tempo todo. Naquele quarto algo de estranho começa a acontecer, objetos começam a estremecer, as janelas parecem bater com a ação do vento, só que não tinha vento nesse momento. É dia ainda e as luzes acendem e apagam sem que sejam acionados os interruptores, ocasião em que Genilda entra em transe. Quase um ano ali e Genésio sem uma perspectiva de melhora e agora essa aflição, essa crise desesperada. Diante desse quadro horroroso, assim de repente, Genilda se levanta calmamente e se dirige até o irmão, que subitamente pára de gritar e fica apenas em soluços intermináveis. Põe as mãos em seu rosto e deita-se sobre seu peito. Algo impressionante ocorre sem que os médicos que ali adentraram soubessem compreender. Genésio fala pausadamente que cometeu um crime horroroso e imperdoável, que matou seus próprios pais e um irmão menor. Contou que desmantelou os freios do automóvel do pai para que ele sofresse um acidente na estrada, só não contava que a mãe e o irmão estivessem naquela camionete. Com essa ação criminosa receberia um seguro de alto valor além da importância depositada na conta bancária do velho. Durante a sua fala Genilda abriu os olhos e escutou tudo, além dos médicos e enfermeiros ali presentes. Dito isso sua irmã levantou-se assustada e chorando enquanto o corpo de Genésio jazia sem vida sobre o leito. Nenhum choro ou grito se ouviu mais naquele hospital.

 

 

 

 

 

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 01/05/2023
Reeditado em 01/05/2023
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