UM CORPO EM CHAMAS

 

Quando abriu os olhos, ele estava no interior de uma oca indígena. O seu corpo estava em uma espécie de altar, no centro dessa oca. Seu corpo estava totalmente imóvel, com exceção da cabeça, a qual podia mover levemente. Ao fazer isso, percebeu que o seu corpo, da cabeça para baixo, estava em chamas. Eram chamas silenciosas e de coloração azul. O corpo queimava, mas, estranhamente, não havia qualquer tipo de dor ou desconforto. Em seguida, notou a presença de uma figura indígena, a qual, de uma forma muito tranquila, andava de um lado a outro, carregando sempre um cajado em suas mãos. Sua fisionomia era a de um índio jovem. Parecia estar velando por ele. O índio apenas o fitava, sem pronunciar uma palavra sequer. Ele também, sem razão aparente, não buscou dialogar ou fazer qualquer questionamento ao indígena. Este aparentava ter uma paciência inquebrantável. Por vezes, deixava o corpo recostar na estrutura da rústica construção. Contudo, seus trajes não eram tipicamente indígenas, fato este que se mostrou deveras estranho. Não usava cocares, nem colares ou qualquer outro tipo de adorno indígena. Estava de pés descalços e com uma roupa comum. Contudo, a sua face era de um indígena, sem qualquer resquício de dúvidas. Complementando o cenário, ele ainda ouvia, ao fundo, sons longínquos e incessantes de atabaques que preenchiam todo o ambiente. Esses sons perduraram durante o período integral em que ele permaneceu naquele local. Sons estes que eram extremamente marcantes e traziam uma certa paz interior. Mas o tempo, este parecia não passar. A impressão que ele teve é de que permaneceu por um período extremamente longo naquele local, nas condições descritas, de forma que gerou até um certo grau de angústia, pois não vislumbrava a possibilidade de uma previsão para que aquele momento encontrasse um termo final. Ele, tomado de ansiedade, mas sem temor algum, desejava apenas que aquela situação chegasse ao fim, sem se importar qual o destino que o aguardava ao seu desfecho. Após um tempo, que não se pode mensurar, ele acordou de um coma induzido de onze dias com essa visão vívida em sua cabeça. Há várias leituras e interpretações do ocorrido, mas independentemente de qualquer uma, sem uma lógica aparente e de uma maneira que também se afigura estranha, ele não guarda nenhum medo ou qualquer tipo de receio da morte.

 

José Lourival Böge
Enviado por José Lourival Böge em 09/03/2023
Reeditado em 12/03/2023
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