Na varanda do Tempo

Outro dia, estava eu sentado numa rede da varanda do sitio “Passagem Boa”, do meu caro cunhado Dr Abel, quando vi uma figura caminhando calmamente, vindo da curva da estrada de chão batido.

Meio sonolento ainda pensei – “de onde conheço este senhor?”

Veio devagar, palmilhando cada passo entre os pedregulhos e olhando vez por outra, numa varredura visual, entre o cerrado e as montanhas que se destacavam com os últimos raios do sol poente.

“Aves pairavam num céu de chumbo” e à medida que o caminheiro se aproximava mais familiar me parecia, com sua silhueta magra, calva reluzente e ar introspectivo.

Parou perto de mim com um sorriso tímido e olhar tristonho, e pensei ouvi-lo dizer, (seus lábios não se moveram).

- A maquina do mundo se entreabriu...

Pelo mesmo canal de comunicação incomum que meu parente mais ilustre usara vi-me respondendo:

- Será que aquela caipirinha que bebi depois do almoço estava batizada?

Sem dar trelas a minha indagação Drummond apontava para a estrada que se seguia, e lá estava ela “a pedra”.

- Há uma pedra no meio do caminho, e daí?

Fez sinais para que eu fosse até ela e a removesse. Protestei veemente:

- Aquela pedra não pode ser removida, é sobre ela que você construiu sua obra.

Drummond sorriu levemente, tirou os óculos, limpou-os na manga da camisa e me disse na sua formula de fala-pensamento:

- Não seja ingênuo, uma pedra é uma pedra. Debaixo dela pode haver algo ou... nada.

Levantei-me da rede a contragosto, (em respeito a seu nome ilustre) fui até lá e tirei a pedra do meio caminho. Embaixo dela havia um buraco.

Lá do mesmo lugar em que permanecera Drummond me gritou:

- Entre no buraco!

Como que forçado por ordem superior vi-me atirado e escorregando pelo buraco estreito, para o centro da terra.

Enquanto eu descia ainda ouvi o poeta gritando:

- E agora José?

Ainda deu para responder:

- Não é José, é João...

O velho Drummond me pregara uma peça e agora meu passado era reprisado numa seqüência rápida e confusa na tela da mente, enquanto eu avançava rumo ao desconhecido num tobogã estreito e sem fim.

A voz do velho Drummond me acompanhava;

- Esta é a sua vida, um buraco escorregadio e sem fundo, em direção a nada.

Aquela frase ecoou sem dó nem piedade como um sermão interminável, ao longo do mergulho que me arremessava em velocidade alucinante rumo ao desconhecido.

Apesar de dolorosa e cruel, aquela frase fazia sentido e carregava uma verdade que rondava minha consciência periférica sem conseguir entrar.

O velho me advertia sobre algo muito grave que pairava sobre nós como um perigo real e iminente e que ainda em vida ele pressentira.

E agora, escorregando num tubo estreito e sem fundo eu tentava despertar daquele pesadelo, (só podia ser um pesadelo).

A voz suave do poeta me acompanhava, discreta.

- E agora joão, a estrada acabou-se, Minas não há mais, o mundo já era. Você não mais há de acordar.

João Drummond
Enviado por João Drummond em 11/12/2007
Reeditado em 16/12/2007
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