Bem Dem Long fechou a torneira

A sala principal do templo, onde os rituais mais importantes ocorriam, estava repleta de água. Uma inundação que, naquele instante, alagava todo o espaço e tendia a preencher o ambiente, tal como água lançada em um copo vazio. Trinta centímetros de altura, por enquanto, era o tamanho do estrago. Os sacerdotes de pés descalços, ora sentiam-se crianças brincando na rua alagada, ora entravam em desespero por verificarem o lugar sagrado de um modo como não deveria estar.

- Basta que fechemos a torneira! A água vem em profusão da torneira aberta desde ontem da pia que fica atrás do púlpito no altar, ao lado da pedra dos sacrifícios.

- Não podemos fazer nada irmão de sacerdócio Pidgin. Na noite passada, o rebelde irmão Agnós realizou um ritual que liberou o demônio Benplemax, justamente a partir da pia. Aquele que tocar a torneira terá sua alma bebida pela besta criatura.

A besta criatura não era capaz de ser vista naquele momento. Todavia - assim acreditavam os sacerdotes - ela estava presente naquela sala do templo. Tudo porque o ritual fora realizado. Tudo porque havia motivos doutrinários e milenares para que sua presença não fosse algo do qual se devesse duvidar. E a água jorrava. 50 centímetros.

Para além das questões de cunho metafísico (questões absolutamente reais para todos os envolvidos), o espírito prático indicava que o problema deveria ser solucionado de algum modo. Quebrar o encanto do ritual, de modo a fazer com que a criatura etérea deixasse o ambiente, a fim de que a torneira fosse fechada com as mãos, seria impossível: o rebelde Agnós, após o rito, tirara a própria vida com uma adaga - ainda presente no templo, ensanguentada - ofertando sua energia vital a Benplemax. Parecia, segundo os escritos sagrados, que a madeira era imune àquele demônio.

Os sacerdotes construíram um longo engenho de madeira - porque também não poderiam se aproximar do púlpito, da pia e da pedra dos sacrifícios. A ideia era encaixar sua extremidade no fecho da torneira. A cena foi de pastelão ridículo. A água, nos seus 80 cm de altura no que diz respeito ao preenchimento do recinto, chacoalhava-se como piscina agitada no ti-bum! de criança. Sacerdotes com a batina negra toda molhada.

Oraram, procuram o rito da levitação e da mão invisível que tudo fecha. No meio do rito, um deles lembrou a falta de rosa púrpura azul do pântano. A água já estava a 90 cm.

Lembraram do sábio Bem Dem Long. Não era da irmandade. Não era iniciado nos mistérios. Mas era reconhecido por todos do mundo da alta magia, como um ser que detinha em si, desde o nascimento, todas as chaves para os mistérios da magia mais forte que há: a natural. Lembrou Pidgin aos demais do episódio da montanha, no qual o Bem Dem Long, apenas com um leve sopro, deslocou a grande montanha do norte para o sul, modificando, de uma vez por todas, a paisagem local.

- No que posso ser útil? Perguntou Bem Dem Long aos sacerdotes.

- A torneira. A água e o espírito maléfico de Benplemax.

Bem Dem Long, de calça e sapato mesmo, caminhou naquela lagoinha de 1 metro em direção ao altar do templo. Bem Dem Long, com os dedos da mão esquerda, fechou a torneira.

São José, 20 de fevereiro de 2023

Cleber Caetano Maranhão