A DESCONHECIDA
O vento soprava suavemente naquela tarde de verão, da varanda do antigo sobrado eu observava a rua quase deserta. Onde estavam todos a essa hora, justo num horário quando dezenas de pessoas faziam suas caminhadas no parque que ficava logo em frente da minha morada? A rua estava praticamente sem um pé de pessoa, exceto um ou outro transeunte que ia ou vinha de algum lugar. Achei muito estranho, mas fiquei a admirar essa anormalidade, esse fato incomum que via pela primeira vez desde que para ali me mudei há algumas décadas. Nada se comparava aos dias vividos naquele antigo prédio de dois andares onde eu ocupava o último, dali tinha uma visão mais privilegiada, ali, focando a rua e suas pessoas transitando eu encontrava inspiração para compor minhas crônicas e os mais diversos textos que gosto de produzir, é um dom antigo, vem desde a mocidade e até hoje, com mais de setenta anos, ainda me dedico, é meu passatempo predileto.
Só para lembrar, o parque sempre foi o refúgio de crianças que brincavam sob as vistas de seus pais ou responsáveis, pessoas idosas e também jovens faziam suas caminhadas diárias, onde era também um caminho para se alcançar o outro lado do parque, era um vai e vem ininterrupto. Nesses últimos anos eu costumava observar mais atentamente os mais velhos, assim como eu, a se deleitarem em leituras ou em conversas jogadas fora com outros da mesma faixa etária. Eu tentava entender o que eles pensavam, o que faziam no dia a dia antes de para aquele local se dirigirem. Imaginem, eu queria ler as mentes dessas criaturas e o máximo que conseguia eram deduções ao meu bel prazer, ou seja, eu imaginava o que essas pessoas faziam ou deixavam de fazer. Me sentia assim o dono dos seus conhecimentos e das suas atribuições.
Olhei atentamente para a rua, não era possível o que ora acontecia. Mais ninguém transitava por ali. Esfreguei bem os olhos, pairou alguma dúvida sobre o que eu via, mas enfim era tudo real. Ou parecia ser real. Ninguém passava pela rua nesse momento, o parque estava completamente vazio. Olhei o relógio de pulso, quatro da tarde em ponto. Na rua nenhum transeunte, até que de repente surge uma figura feminina, longos cabelos pretos, olhar distante e andar suave, parecia volitar. Parou depois de alguns minutos e olhou para cima, para o meu prédio. Olhou diretamente para mim, o que sobremaneira me assustou um pouco. Um aceno e uma interrogação em minha mente. O que ela queria? Como eu costumava adentrar as mentes das pessoas no parque tentei fazer o mesmo com essa mulher, até então uma desconhecida, porém sem sucesso. As pessoas do parque eu conhecia quase todas, imaginava o que bem quisesse sobre elas quando adentrava suas mentes, mas com essa desconhecida eu não conseguia por mais que tentasse. Não sei se foi a emoção do momento acoplada a surpresa dessa aparição, o que importa é que se tornou uma situação estranha. Aquela mulher sozinha lá embaixo, eu aqui em cima com uma certa preocupação, na dúvida se descia ou não. De repente senti um calafrio, uma coisa estranha, momento em que percebi que a tal mulher já estava do meu lado. Como subiu tão rapidamente não sei explicar, isso até me assustou, mas enfim perguntei quem ela era e o que queria. Ela apenas me fitava sem nada dizer, seu olhar era estranho e isso me meteu medo, pela primeira vez diante de uma mulher eu senti medo. Seus cabelos cobriam parte do seu rosto de uma forma que dificultava tentar identificá-la, o que me fez afastá-los, mas ela me segurou com firmeza e não permitiu o meu intento. Nesse exato momento fui acometido de uma espécie de transe, sei lá, talvez uma vertigem, ocasião em que a mulher sumiu da minha frente. Fiquei sem entender esse fato. Atentei para outro detalhe: lá embaixo a vida voltara ao normal, as pessoas circulavam tranqüilamente, faziam suas caminhadas, idosos e crianças estavam no parque a conversarem e brincarem, enfim voltei a ver o que sempre via na rua, a normalidade da vida.