Conversa com cachorros

Dá pra pensar que é louco. Não descarto. Tem oito cachorros, com cada um se comunica em uma língua, a saber: inglês, português, francês, italiano, espanhol, gaélico, dinamarquês e árabe.

Os cães se chamam, na ordem idiomática anterior: Lord, Garrincha, Jean-Paul, Mafioso, Gardel, Joyce e as cadelas, Karen e Habiba. Basta escurecer, chama todos pra dentro de casa e tem uma espécie de DR, cada cachorro em sua língua. Isso já foi curiosidade no bairro, agora não espanta mais ninguém. Um político pensa transformar isso em atração turistica.

Vive sozinho há mais de uma década. Conversa pouco com gente. Isso inclui os quatro filhos, que não o levam a sério. A qualquer menção ao velho, sorriem e giram o dedo indicador à altura da cabeça, sinalizando problema mental e comentam:

- Aquele, né? Sem solução. Não fala coisa com coisa... Lembra o protagonista do filme mexicano Amores Brutos. Só falta deixar a barba crescer e parar de tomar banho.

O filho mais velho, Rubião, é o que mais se parece com o pai. Nem tanto fisicamente, mas lhe escapam algumas ideias meio estranhas. Um dos outros irmãos, que leu Machado de Assis na adolescência, comenta:

- Ás vezes, penso que o Pai escolheu o nome certo para Rubião, adivinhando o futuro. Já vi o mano falando sozinho. Aquilo de deixar o espírito pairando à beira do abismo, que nem seu xará no livro "Quincas Borba". Volta ao normal, é verdade. Meu medo é ele ficar que nem o Pai.

E olha aí um comentário do Rubião:

- De louco todo mundo tem um pouco. O velho aprendeu demais, não tem humano com que se entenda. De tanto falar idioma estrangeiro, de tanto rodar pelo mundo desde muito novo, acabou ficando sozinho, ficou "lelé". Olha estrelas de dia e canta música estrangeira no original. No caso de "Moon River", é só ir pra debaixo do chuveiro. E até que canta bem. A pronúncia do inglês varia; tem dia que é puro ianque, tem dia que é Oxford na veia. "And so on, and so forth..."