AS AMIGAS

AS AMIGAS

As imagens (e o enredo) deste conto me surgiram num sonho, mais um sonho... nele tudo foi bem simples, porém colocar os eventos no papel fica mais complicado. A estória dessas duas amigas começou na infância de ambas, vizinhas muito parecidas vivendo num bairro popular da capital paulista, todo êle de italianos, "patrícios" como se chamavam, embora nascidos aqui no Brasil, isso lá pelos anos 30 ou 40 do século passado, ainda de carroças e raros automóveis. As meninas vizinhas e amigas cresceram juntas, estudaram no mesmo colégio de freiras e, quando mocinhas, agora trabalhando -- Genoveva numa fábrica e Clarice como balconista de um mercadinho de secos & molhados -- foram morar em distante bairro, uma perto da outra, claro. Quiz o Destino que, passeando ambas numa tardezinha de domingo no imenso Parque do Ibirapuera em seus primeiros anos, as jovenzinhas encontrassem num cestinho de vime a razão de viver de ambas, dali por diante: um "pacotinho" com braços pernas, uma "bonequinha" de olhos vivos e cheios de esperança e medo.

A lógica lhes indicava entregar a criança à Polícia, ao Juizado de Menores, a alguma Autoridade, enfim. Contudo, o espírito maternal delas falou mais alto, nem precisaram conversar... "adotaram" o bebê que, para seu batismo, necessitava de pais. Genoveva perdera os seus recentemente, num acidente de automóvel na cidade de origem das duas... logo, o pequeno "anjinho" virou "irmã" de Genoveva na pia batismal, o padre meio desconfiado da história narrada pelas duas. Assim nasceu Angellina, mais filha do que nunca das amigas, cuidada e paparicada por elas e para a qual nada faltava. Eis que, numa curva "da estrada da Vida", Clarice decide ser freira !

-- "Mas, isso é uma loucura... uma existência inteira de sacrifícios, rezas intermináveis, acordando de madrugada e longe de qualquer vaidade ! Clarice, vão até lhe cortar os cabelos" !

Nenhum argumento foi suficiente, a vocação falou mais alto e lá foi Clarice para o convento das Irmãs Vicentinas, prédio com colégio anexo, onde inscreveram Angellina como aluna, a fim de que a agora Irmã "Clara" não sentisse tanto a ausência da "sobrinha" predileta e única. O Destino -- tecendo suas teias -- poz no caminho delas, 5 ou 6 anos depois, ma tia da Genoveva, irmã da mãe falecida, vindo de outra cidade para revê-la, tempos depois. Soubera pelos vizinhos da "Genô" sobre a mudança da jovem após a brusca desgraça com os pais e viera procurá-la. Deu azar... não estava em casa, mas vizinha linguaruda lhe passou a informação salvadora: ela e sua filha (?!) talvez estivessem no convento próximo dali, visitando uma amiga. Chegando lá, fim de tarde, a decepção: sua sobrinha passara ali pela manhã para pegar a filha, porém a professora dela, Irmã Clara, poderia lhe dizer onde estavam.

-- "Que ela não demorasse na conversa... a freira já fôra para a clausura, onde não era permitida a presença de estranhos" !

Ao saber da visita, Irmã Claro ficara muito nervosa, porém aceitou receber a tia da amiga. Dona Severina estranhou ver na freira o chapelão de 3 bicos "enterrado" até o nariz da Irmã, além da voz fanhosa, de gente resfriada. Sem cadeiras no quartinho humilde, sentaram as duas na cama... " a freira, por acaso, saberia onde estaria Genoveva ? e que filha era aquela" ?!

-- "Não, não sabia... infelizmente aquela amiga dela viera ao Convento anos antes, apenas com o Batistério e a menina era IRMÃ e não filha" !

O Mundo quase caiu sobre a cabeça de dona Severina, que jamais soubera que sua irmã falecida tivera outra filha além de "Genô", dileta sobrinha que ela não via há uns 15 anos. Ao menear levemente a cabeça, o chapéu subiu o suficiente para a velha tia ver no rosto da freira a cara constrangida da sobrinha que ela jamais esquecera.

-- "GE-NO-VE-VA ?! Mas o que significa isto" ?!

Uma "freira" apavorada segredou-lhe que substituía no catre, de vez em quando, a amiga freira, quando a saudade da "filhinha" de ambas era grande demais. Se a Madre Superiora soubesse da tramóia, sua amiga Clarice poderia até ser EXPULSA do Convento. Portanto, isso devia continuar sendo SEGREDO... agora, das três !

"NATO" AZEVEDO (em 28/dez. 2022, 5hs)