O HOMEM QUE ALUGOU SUA BARRACA AO DINHEIRO SEM CHEIRO (EPÍLOGO)

Era a última semana do mesmo "modus operandi" de décadas. A festa estava em contagem regressiva.

Tratava-se dos últimos momentos midiáticos que rendem lucro a muitos, onde as cenas do burburinho corriam pela "boca pequena" das telas e pela grande avenida ante ao sufrágio que seria dali a poucos dias.

A agitação seguia por todas as plataformas de mídia, pelos telões das calçadas, pela rede de computadores, pelas rádios e televisões.

Belos jornalistas engravatados desfilavam suas vestes elegantes, mulheres dentre sedas e paetês, todos a encenar o teatro dos buxixos que rendem muita audiência monetária, sempre acompanhados dos doutos em Ciência Políticas, os sabedores das soluções (nunca solucionadas!) aos suspense e aos confrontos das rinhas que sustentam as paixões pré-eleitorais. As que , passado o pleito, morrem no silêncio inepto às causas importantes.

Dali a poucas horas, haveria o último debate da temporada, momento em que se arma o moderno Coliseu político onde os candidatos, em capítulos sucessivos e cansativos, se dagladiam como se soltas feras famintas fossem, a devorar cada voto da salvação de si mesmos, sob a efusão aloucada da torcida uniformizada e nonsense.

O povo , finalmente, iria votar e consertar o seu destino desatinado pelo tempo...do Oiapoque ao Chuí.

Volto ao homem que alugou sua barraca ao dinheiro sem cheiro. Holofotes, por favor!

Da última visita que o tal homem recebeu, a da imprensa acompanhada do outro homem das mil pesquisas de estatística, nada havia mudado para o seu melhor.

Sim, é preciso ressaltar, pelas páginas da vida, que há lugares nos quais as coisas até mudam , mas sempre para pior; e onde acreditar na possível melhora é quase como assinar o papel de tolo, não fosse a fé em milagres, a que, de fato, sustenta a História da Humanidade pelo seu todo.

Conto que nas últimos horas havia chovido muito pela seca cidade acinzentada e, embora houvesse os que agradeciam aos céus pela água derramada, havia também muitos, como o homem da barraca da calçada, de quem as águas costumam levar tudo, quando não, as próprias vidas ao meio fio.

Mais uma vez, algo molhado e sonolento, desceu um copo de café frio e abriu suas portas da sua barraca para os homens da imprensa e das estatísticas.

-Bom dia, o senhor nos daria mais uma entrevista? É a última antes das eleições. O senhor é super importante para nós. Olhe para aquela luzinha, por favor.

Gravando!

-Entra, seus moços, tenho nada pra oferecer procêis não, o pão acabou, os menino da calçada levaram tudinho, até as minha migaias levaram, mas pode perguntar o que quisé.

-Olha aqui, por favor. Qual seu nome e idade ,por gentileza, e onde nasceu; não obtivemos esses dados importantes na gravação da nossa última entrevista.

-Meu nome é Zé da Esperança e tenho vinte e dois anos e não sei onde nasci.

-E aí, tudo pronto para o senhor votar? Gostaríamos de saber: o senhor já separou seu título de eleitor? Já sabe qual é a sua zona eleitoral? Confia no voto eletrônico? Já decidiu pelos seus candidatos? O senhor costuma acompanhar os resultado do trabalho do candidato em que vota? Os benefícios feitos à vida do senhor? O senhor pretende assistir o debate dessa noite? Tem propostas de leis de melhorias para o seu candidato?

- Vai devagar moços, muita pergunta, sei inda muito bem nada disso não e também digo que não vou conseguir votar.

-Mas o senhor é um cidadão da cidade grande, a cidade que nunca para, sempre de braços abertos para o senhor, precisa contribuir com o progresso social.

-Moços, não sei que é isso de pogresso social, não. Nunca nem vi o que é pogresso, nem na cidade grande, nem os braços abertos dela. Pra mim sempre foi farol fechado, moços. (-corta! corta!) Óia, eu inté que morava lá na comunidade bem arrumadinha mas depois que ela pegô fogo junto com tantas outras, nóis tudo viemo pra cá, minha certidão de nascimento, meu Título , meu Rg e meu CPF queimô tudo. Nem tenho como prová que tô meio vivo, moços!(corta!corta!)

Anota aí! (-corta, corta!) Algum político de bom coração, que não sei quem é, me mudou do barraco que incendiou pra essa barraca que ontem inundou na chuva; e a minha zona?

Ara, é aqui memo, sô: é a minha vida!

É essa zona: do barraco pra barraca sonhando em voltá pro barraco! É isso.

-Corta!

Debate? Só assisto o meu, moços! Eu me debato todos os dias para sobreviver por aqui...

Eu não tenho comida, nem dormida, nem banho, nem mesa, nem televisão, nem celular; meu rádio foi na enchente. Não tenho trabáio e nem estudo, só tenho o aluguel da minha barraca que o político me paga até acabá a eleição; ouvi dizer que ele tá lá no discurso ,no hotel de luxo-corta essa parte, rápido gente!- e sinto que , por isso tudo, não adianta eu votar.

-Mas seu Zé, não pode pensar assim, a esperança é a última que morre!

A Democracia e os políticos(inclusive esse que aluga o espaço da sua barraca para a propaganda dele), ensinam que o senhor é a pessoa mais importante na hora do voto. O senhor não ouviu?

-Eu importante, moços? Ara, que é isso, magina...Sim, moço, isso eles sempre falam. Sempre dizem a mesma coisa.

Mas... é só oiá pra mim que a gente acredita que nem eles acreditam que eu existo.

Sou importante pra Democracia e para o político...sou sim, só na hora do voto. (corta!) Depois tô morto.

Proposta de Melhorias, moços? Pra quem é isso?

Anota aí na estatística: melhoria é só pros memo hôme politico de sempre, moços. Já tá bom o que eles tem, moços.

E sobre voto eletrônico...

Não entendo nada disso não.

Só ouvi dizê que é a gente apertá e ouvi um barulhinho, depois esperá para ouvir mais outro barulhinho, parece fácil, mas se eu não conheço nem as letras e nem os número ainda!

Melhoria memo seria um pouco de escola pra mode ao meno eu podê votá com gosto e fé nessa vida. Lei de melhoria? Minha vida não tem lei, não! (putz, corta rápido pela última vez , gente!).

Regravando:

-Bem, obrigado pela audiência, finalmente chegamos ao final da nossa entrevista, última da série " as alugadas barracas das ruas"; agradecemos ao senhor Zé da Esperança por toda sua credibilidade nos dados fornecidos para o nosso crescimento e pela sua fé professada aqui sob os holofotes das nossas redes, sempre totalmente unidas em prol do "bem estar social " dos que nada têm.

E vamos aos santinhos! Viva! Aleluia! Deus que nos valha a todos, igualmente, nas urnas! Amém! Aché! Saravá! Auguri!

Para o seu desânimo, os entrevistadores lhe contaram que , com muita sorte mesmo, o homem em questão poderia ser um sortudo HEXACAMPEÃO MUNDIAL de BOLA NA REDE.

A única bola com a qual, logo depois da eleições, ele ainda poderia sonhar... no tão distante gol da vida.

E assim, como contei no meu conto anterior, conto que esse meu conto (o que a vida sempre reconta!) terminou sem nunca ter sido contado, nem antes , nem depois das eleições.

Ninguém nunca soube da existência , muito menos do destino daquele só mais um "homem que alugou sua barraca ao dinheiro sem cheiro". O que também saia do vazio bolso dele.

Nota de esclarecimento da imprensa: Antes dos pleitos toda dura realidade tem que ser abafada e suplantada. E depois, descartada.

Verdades sempre negadas!- das quais toda melhor narrativa política foge totalmente da surrealidade visceral, a que se eviscera pelas calçadas da " vida urbanizada", fortemente sangrante pelos meios fios desconstruídos.

Ainda que toda verdade flua pelas fissuras das tendas onde se avolumam as dores nunca socorridas, apenas maquiadas, a render dividendos a quem se refastela das tragédias humanas.