MINHA FILHA ME PERDOOU

Aqueles olhos me fitavam com muita intensidade, queriam dizer algo, eu sentia. Porém as minhas condições físicas não permitiam que os meus olhos respondessem numa mesma intensidade. Eles estavam praticamente mortos, sem brilho, fechados para quem estava diante de mim. Um restinho de lucidez ficara em meu cérebro, este estava quase ativo, o suficiente para entender o sentido daquele olhar para o meu rosto, um corpo imóvel ali estava, sério, já perdendo o seu vigor natural, no entanto rígido e sem tato. E mesmo com os meus olhos fechados eu "via" aquele par de lindos olhos me fitarem nessa única vez, para meu espanto. Era uma coisa que eu tanto desejava em vida e não pude concretizar, não foi possível. Mas ali estava ela, semblante triste, como a perguntar algo cuja resposta eu sabia, mas não podia dizer. O tempo se encarregou de me calar mesmo eu tendo procurado e muito essa criatura agora ali diante de mim, de um pai que não fez por onde dar o prazer de chamá-la de filha. Filha que poderia ser querida, mas esse pai foi irresponsável, dissimulado, fugiu de sua obrigação, não quis conhecê-la. E agora ela estava ali, triste, lamentando, me olhando com uma fixação que me surpreendeu. Por que não veio antes? Por que? Eu tentei inúmeras vezes encontrá-la sem sucesso, o destino não deixou. Ela que me encontrou e, infelizmente, numa hora que, sinceramente, eu não desejava. Mas ela me encontrou, eu que nunca tive a chance de encontrá-la e pedir-lhe perdão. Mas nesse momento eu a estou "vendo", estou lhe admirando pela sua beleza e caráter e também implorando o seu perdão.

Voltei no tempo aproveitando o restinho de pensamento que ainda residia no meu cérebro, imaginei os momentos quando estava com a mãe dela, nos divertíamos tanto! Ela acreditava em mim, nas minhas palavras, no meu jeito de ser. Foram momentos de intensa felicidade que eu não soube aproveitar, pois quando estávamos "no melhor da festa" ela engravidou e eu, covardemente, a abandonei. Ela fez tudo para não abortar, era um desejo meu. Fui um cretino, não queria assumir a paternidade. Fugi para longe depois que vi sua barriga crescer e dentro dela estava essa linda moça que agora me olha, não com desprezo, mas com pena da minha atitude e do sofrimento que passei. Fui contemplado, mesmo sem merecer, com a presença da minha única filha que não cheguei a conhecer em vida, mas o destino me proporcionou esses últimos minutos de "vida" para conhecê-la e eu fico muito agradecido. Agora sei que parto feliz e perdoado. Sim, perdoado, seus olhos me disseram isso antes da minha visão desaparecer para sempre.

<><><><> oooo <><><><>

(Este conto é uma ficção, é também a continuação de um poema triste cujo título é ARREPENDIMENTO TARDIO, que foi publicado hoje. Se você leu esta história, vá lá no poema e vai entender tudo direitinho).

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 15/09/2022
Código do texto: T7606477
Classificação de conteúdo: seguro