O sonhador

Theo acordou com um ruído familiar na cozinha: alguém estava lavando os pratos. O problema é que Theo morava sozinho. Levantou da cama de um pulo e correu para a cozinha. Ali estava um homem de pijama em frente à pia, de costas para ele, cantarolando de boca fechada. Antes que Theo dissesse alguma, o homem virou-se e o encarou, testa franzida:

- Quem diabos é você? E o que está fazendo na minha casa?

- Como assim... sua casa? - Retrucou Theo, cerrando os punhos. - Você é quem invadiu a minha casa!

- Moro aqui há cinco anos e tenho certeza de que nunca vi a sua cara antes - replicou o desconhecido. - Mas podemos tirar isso a limpo facilmente: pegue o interfone e ligue para a portaria.

- O que quer que eu faça? - Theo ergueu os sobrolhos.

- Pergunte ao porteiro quem é o morador do apartamento 607 - redarguiu o homem.

Theo olhou ao redor, aturdido. Aquele era o 607? Impossível! Ele morava no 807, dois andares acima! Mas a disposição interna do apartamento, os móveis, utensílios e decoração, tudo era idêntico aos da sua própria residência.

- Como eu vim parar aqui? - Murmurou.

- Vai ver que sonhou e acordou na cama errada - ironizou o outro.

- Como explica que o seu apartamento é uma cópia do meu? - Questionou Theo. - Que brincadeira é essa?

- Vai ver, temos gostos parecidos - avaliou o homem. - Mas sobre o seu incidente, acho que tenho uma explicação: você tem o Dom.

- Qual Dom?

- O Dom de se mover entre realidades paralelas ao sonhar - replicou didaticamente o outro. - Eu mesmo nunca havia conhecido alguém com essa capacidade, mas já havia lido sobre o assunto. Você pode ser a prova que faltava para comprovar a teoria.

Theo sentiu-se subitamente fraco e apoiou-se na bancada da cozinha.

- Credo! Estou ficando tonto...

- E está saindo de foco - disse o outro. - Acho que o mecanismo de fase...

A frase não chegou a ser completada. Tudo ficou escuro ao redor de Theo.

Quando despertou, ainda era madrugada e estava deitado em sua cama. Ergueu-se e foi até a cozinha beber um copo d'água, ver se esquecia o estranho pesadelo que o havia cometido.

Ao acender a luz do aposento, viu sobre a mesa um bilhete manuscrito, com uma caligrafia que não era a sua. Cenho franzido, Theo o apanhou e leu: "Estamos fazendo ajustes no mecanismo de fase. Da próxima vez, você poderá ficar mais tempo."

Theo engoliu em seco. Da próxima vez?

- [19-08-2022]