A cidade da chuva
Quando eu era criança, minha família se mudou para Naamberen, no interior; ali fiz amizade com um garoto da minha idade, chamado Constantin. Ele me perguntou se eu sabia guardar segredo.
- Que tipo de segredo? - Perguntei, mão no queixo.
- Um que os adultos não acreditam - riu ele.
- Então, é fácil de guardar, já que mesmo que soubessem, não iriam acreditar - ponderei.
Constantin então me falou de Laagstatt, a "cidade da chuva". Oficialmente, Laagstatt, uma aldeia próxima de Naamberen, havia sido soterrada décadas atrás, quando um morro desabara após chuvas catastróficas de verão. Mas o que as crianças de Naamberen cochichavam entre si, é que Laagstatt eventualmente aparecia no verão, sempre que chovia fraco, e que era possível entrar lá e passear por suas ruas.
- E comer cookies com leite maltado na lanchonete da tia Maria - acrescentou.
- Se a cidade foi soterrada, como ainda tem gente vivendo lá? - Questionei. - São fantasmas?
- Não, são pessoas de verdade - sustentou Constantin. - Se quiser, eu te levo lá e você vai ver com seus próprios olhos.
Eu não estava assim tão certo de querer conhecer uma cidade que nem deveria existir mais, mas Constantin acabou me convencendo com a observação de que a tia Maria adorava visitantes - e não cobrava nada pelos lanches.
- Como é que ela paga as contas? - Questionei.
- Vai ver que ela é rica - replicou Constantin.
* * *
E no primeiro dia de chuva do verão, colocamos capas de chuva e pedalamos nossas castigadas bicicletas pela estrada de terra que levava até Laagstatt - ou até onde estivera Laagstatt, no sopé do morro que a destruíra. E, para minha surpresa, havia mesmo uma povoação ali: casas simples, uma praça com igreja, meia dúzia de ruas desertas.
- Cadê todo mundo? - Indaguei com desconfiança.
- Está chovendo fraco, as pessoas ficam dentro de casa - afirmou com convicção.
A lanchonete da tia Maria, no lado oposto da igreja na praça, era o único lugar que parecia aberto e em funcionamento; por trás do balcão, a proprietária em pessoa, uma mulher corpulenta e sorridente.
- Constantin! E trouxe um colega! - Saudou-nos efusivamente.
- Oi, tia Maria - disse timidamente Constantin. - Esse é o meu amigo Joel; ele não acreditava que Laagstatt existia.
Tia Maria virou a face rechonchuda em minha direção.
- E agora, rapazinho, você acredita?
Abri as mãos.
- Não tenho como negar.
- Ótimo! - Exclamou tia Maria. - E já que vieram debaixo de chuva até aqui, que tal uma rodada de leite maltado com biscoitos quentinhos?
Não nos fizemos de rogados.
* * *
Quando terminamos de comer, tia Maria perguntou se gostaríamos de esperar que a chuva passasse antes de voltarmos para Naamberen. Eu estava propenso a aceitar a oferta, mas Constantin me deu um bico na canela para que eu ficasse quieto.
- Temos hora pra voltar, tia Maria. Ou os adultos podem desconfiar que viemos para Laagstatt.
Tia Maria balançou a cabeça, contrariada.
- Eu esperava que você fosse ficar desta vez, Constantin. Precisa ver como a cidade é bonita quando a chuva para e todos saem de suas casas.
- Prometo que voltamos noutra ocasião - mentiu meu amigo, me puxando pelo braço. - Vamos, Joel.
Mal tive tempo de acenar para a dona da lanchonete e Constantin já estava montado em sua bicicleta, olhando para o céu cinzento com a testa franzida. A chuva estava parando; em breve, seria apenas uma garoa.
Eu e Constantin saímos pedalando de Laagstatt como se uma nova torrente de lama estivesse ameaçando a cidade. Já na estrada para Naamberen, finalmente reduzimos a velocidade o suficiente para que eu fizesse a pergunta inevitável:
- O que acontece se a chuva parar e você ainda estiver em Laagstatt?
Constantin, um pouco mais relaxado, redarguiu:
- Você viu todas aquelas casas, fechadas? Aposto que estão esperando novos inquilinos... faz muito, muito tempo.
E pelo restante do trajeto, rodamos lado a lado em silêncio.
- [19-07-2022]