Depois do Natal: Um conto para não ser lido à noite (Cap XXI - DEPOIS DO NATAL)
Três dias depois do natal, a população ainda comentava os acidentes e a explosão que destruiu a lanchonete do português.
Ninguém se lembrava do sapateiro, nem do casal desesperado em busca dos filhos.
Esse fora um incidente muito pequeno e poucos dele participaram.
Pouco repercutiu.
O que realmente mantinha as rodas de conversa e não deixava de permanecer merecendo comentários era aquela explosão catastrófica.
O que era assunto em qualquer roda de conversa era a explosão e suas consequências.
A morte de todas aquelas pessoas.
O velório na Câmara Municipal.
O desespero dos parentes.
A dificuldade para identificar os corpos carbonizados ou esmagados.
As surpresas que revelou, para alguns, aumentando a dor que cresceu ao lado da ira.
Uma mulher, da alta sociedade local, descobriu que o marido a traía com a empregada. Foram encontrados abraçados debaixo dos escombros.
Ele morto.
Ela gravemente ferida e grávida do amante.
Um casal descobriu que sua filha única, não saíra para passar a noite na casa de uma amiga, mas com o namorado, também adolescente: foram encontrados presos entre os escombros. Ela com o rosto deformado pelo fogo; ele com as duas pernas moídas por um bloco de concreto.
Chorando de dor pediam perdão aos pais.
Parece que a alegria de vê-los com vida foi maior do que a sensação de ter sido enganados... e os pais consideraram o acidente castigo suficiente para a mentira.…
Um distinto homem da sociedade, membro graduado e conceituado de uma agremiação religiosa foi encontrado ao lado de uma prostituta muito conhecida na cidade.
E, dias depois, começaram a aparecer aqueles que juravam que além de ter visto ambos na lanchonete, também os ouvira combinando um encontro numa rua famosa na cidade conhecida como ponto de encontro de quantos amantes quisessem se esconder de olhares indiscretos…
Mesmo assim, muitos indiscretos observavam a discrição dos amantes que procuravam aqueles locais que se escondiam na sombra da noite...
Quando o assunto era só esse é que algumas crianças – sempre elas! – foram atraídas pelo mal cheiro, pelas moscas e por alguns urubus que pousavam no pátio dos fundos da casa do sapateiro.
Foram chegando e entraram na casa do sapateiro...
As crianças – sempre elas! – entraram para dentro do barracão do sapateiro.
E viram tudo!
!!!!!
A revoada dos urubus não espantou o enxame de moscas nem abafou os gritos de medo e desespero que moveram aquelas pernas infantis correndo para fora.
As crianças – sempre elas! – assustadas, aos gritos, desesperadas, chamaram os pais e outros vizinhos.
Muitos vieram e viram a cena: dantesca, horrível, quase indescritível... aliás, realmente indescritível.
Ou melhor, quem teria estômago para atentar aos detalhes e, depois, descrevê-los?
A menina, jogada sobre a mesa já estava quase toda comida pelos vermes, como que dissolvendo suas carnes.
A mulher, morta, caíra sobre o marido!
O sapateiro, com o lado pontiagudo da bigorna espetada na cabeça desabara sobre ela.
Os três, uns sobre os outros formavam um amontoado fétido.
Todos em avançado e acelerado estado de decomposição, tomados pelos vermes e pelo mau cheiro característico do cadáver humano….
Os quatro quase totalmente devorados pelos urubus... eles sim, sempre atentos.
(Continua na próxima semana)
Neri de Paula Carneiro
Rolim de Moura – RO
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