O OLHAR ESTRANHO DE YOLANDA
Eram pouco mais de dez horas da noite quando eu voltava do cinema, tinha assistido a um filme de terror e que de certa forma me impressionou. Vinha com aquele pensamento na cabeça e nem me dei conta de que a rua estava com pouca luminosidade, alguns postes estavam com as luzes apagadas. Nenhum pé de pessoa. Foi nesse exato momento que senti um arrepio e minhas pernas tremeram, mas como já estava perto de casa apertei os passos e criei coragem. Já dava para avistar minha casa quando cruzei com uma moça que saiu não sei de onde, era até bonita e tinha longos cabelos pretos e vestia uma roupa preta. Ao passar por mim ela exibiu um sorriso tipo malicioso, confesso que esqueci momentaneamente o medo ao me deparar com seu olhar, seus olhos me fixaram de um jeito que nem sei explicar, tal a intensidade com que me fulminou. Dei alguns passos para poder olhar para trás, quando o fiz nada da garota, havia sumido misteriosamente, o que me fez sair em desabalada carreira. Ao abrir o portão de casa arrisquei uma olhada, nenhuma viv'alma. Entrei imediatamente, estava assustado, confuso. Teria sido imaginação?
Na manhã seguinte comentei o fato com alguns amigos que apenas se prontificaram a rir. Fiquei vários dias pensando naquela aparição, era uma linda pessoa, deu para perceber, nunca a tinha visto ali no bairro e pela hora não poderia ser uma pessoa que morasse distante, o que estaria fazendo ali naquela hora da noite? Se eu não tivesse visto uma visagem tinha que ser uma moradora do bairro.
Certa noite estava eu numa festinha de aniversário, era um sábado que fazia frio e eu tomei algumas doses de whisky para esquentar. Em certo momento entrou uma moça na casa que era de uma amiga minha, ela vestia uma roupa preta e tinha os cabelos pretos e compridos. Quando vi aquela imagem quase caí de costas, me deu um arrepio idêntico àquele quando voltava do cinema numa rua escura antes de cruzar com uma moça igual a essa que nesse momento estava perto de mim. Para mim foi uma surpresa e não restava dúvida, era aquela que havia cruzado comigo e que depois sumiu. Aquilo me incomodou sobremaneira, mas procurei manter a calma apesar do susto. Ela cumprimentou minha amiga, a que morava na casa e até advinhou meu pensamento, me chamou para apresentá-la. Chegando bem perto dela, que me estendeu a mão, fiquei indeciso e até ababacado, quase não consegui apertar sua mão. Curiosa ela perguntou o que estava acontecendo. No momento não falei nada, mas depois, com mais calma, conversamos reservadamente e eu lhe falei sobre o acontecido. Tudo indicava ser ela, o mesmo olhar faceiro, o mesmo brilho nos olhos, o mesmo poder de fixação e fulminante. Ela apenas riu e negou ter me visto em algum lugar, me conhecera ali ao ser apresentada. Seu nome era Yolanda, antiga amiga da minha amiga que ora dava a festa. Diante da sua negativa não me restou outra alternativa senão acreditar. Saí dali por volta das onze e pouca da noite depois de me despedir de todos, inclusive de Yolanda, que ficou para sair mais tarde, pois alguém iria buscá-la. A rua estava deserta, como daquela vez quando encontrei a bendita figura estranha, caminhei pensativo e até preocupado, tinha até a impressão de que alguém me seguia. Olhava para trás desconfiado, senti até um arrepio, a cabeça rodava devido aos goles de whisky ingeridos, minha vontade era de correr, mas as pernas não agüentariam, eu poderia tropeçar e cair, então continuei firme, andando, mas a impressão que eu tinha era de que não saía do lugar e em certo momento desabei. E depois de alguns minutos e mesmo tonto percebi que duas mãos me apoiavam e me ajudavam a me levantar, mas eram duas mãos femininas. Me virei e vi, assustado, que essa mulher tinha uma roupa preta e me olhava com um ar estranho. Levantei a vista e vi claramente que era Yolanda, queria lhe dizer algo, mas a voz não saía. Perdi então os sentidos. Voltei a mim já em casa, era de manhã, minha mãe me dava uma bronca, reclamava que eu tinha chegado bêbado amparado por um amigo. Já consciente e só um pouco ressacado perguntei se não foi uma moça que havia me trazido e ela negou veementemente.
Nessa manhã de domingo, depois de um bom banho e um café quente com torradas, resolvi ir até a casa da minha amiga onde houvera a festa, queria saber de Yolanda, se ela tinha saído logo depois de mim e o que fizera. Minha amiga falou que ela só arredou o pé dali quando um irmão dela foi buscá-la de carro. Contei o acontecido, que Yolanda tinha me amparado na rua, ela riu bastante e culpou as doses de whisky que eu havia tomado. Para mim não deixou de ser um fato inusitado que só eu presenciei.