Depois do Natal: Um conto para não ser lido à noite (cap XVIII - NA LANCHONETE)

Na lanchonete o português de bigode retorcido ainda dava mais uma bronca na gorda garçonete, por ter deixado os clientes saírem sem pagar.

Onde se viu isso?

Se acontecesse mais uma vez descontaria tudo do salário dela. Desta vez só ia descontar a metade….

- Mas eu já ganho tão pouco... Mal dá pra tratar do meu filho! Se a creche não fosse da prefeitura e de graça nem teria como trabalhar! Ou então teria que trazer meu bebê para o trabalho.

- Mais um motivo para prestar atenção nos clientes caloteiros. Eu é que não posso perder. Meu lucro vai todo para a manutenção deste estabelecimento e nos impostos que não servem pra nada.

Parece que a palavra imposto era uma senha! Uma senha explosiva!!!

A explosão pegou os dois no meio da discussão.

Morreram instantaneamente, esmagados contra a parede, pelo deslocamento de ar provocado pela explosão que destruiu a lanchonete.

Tudo virou um monte de cinzas, do fogo que sucedeu à explosão, varrendo as paredes de tábuas. (Na cidade ainda havia muitas casas de madeira; também aqui herança de outros e áureos tempos)

O total exato dos mortos não se pode apurar, com precisão. Pelo menos não de imediato, pois depois das labaredas, o braseiro ainda consumia os restos de madeira e dos corpos consumidos pelas chamas…

Depois, dias depois, com a remoção dos escombros e cinzas e entulhos foram descobertos mais alguns restos de corpos carbonizados.

O que se sabe é que a lanchonete estava cheia. Aliás costumava estar sempre cheia.

Mas naquele dia – aliás, naquela noite – e naquele horário, tinha mais gente do que de costume.

Apesar do português ser um chato, o lugar tinha um quê de mistério que atraia a clientela. Estava sempre cheia e o homem vendia muito. Era bom negociante, apesar da chatice.

Metade estava comendo, metade estava bebendo e a outra metade estava apenas curiosando, fofocando sobre o desaparecimento das crianças do casal de turistas.

Tudo ajudou para que tivesse muitas mortes.

Foi a maior mortandade daquela cidadezinha do interior.

Além do português e da gorda garçonete morreram, também, duas crianças, um jovem casal, possivelmente de namorados, uma família, que tomava sorvete, numa mesa próximo da cozinha.

Feridos foram contados nove, entre graves e leves.

Uma senhora, que passava pela calçada, do outro lado da rua, desmaiou.

Uma grávida foi socorrida às pressas, sangrando aparentemente perdendo o bebê.

Quando os bombeiros chegaram o incêndio que se seguiu à explosão já havia destruído toda a construção onde estava alojada a lanchonete do português.

Nada mais havendo a fazer, pelo prédio da lanchonete, os bombeiros se dedicavam a impedir que o incêndio se alastrasse pelas construções vizinhas. Completaram o serviço com jatos d’água sobre as cinzas fumegantes.

E esse já foi um grande trabalho, pois várias construções da vizinhança também eram de madeira e perigavam se acender.

Alguns, mais afoitos e assustados já começavam a tirar a mudança para a rua, por precaução...

Como já fazia bastante tempo que não chovia e como o mês de dezembro sempre é bastante quente, aquilo era um barril de pólvora.

Vê-se, portanto que o trabalho dos bombeiros não foi pequeno…

E todo mundo queria ver o que tinha acontecido. Novidade em cidade pequena é sempre assim. Chove curioso...

Aliás, pode-se observar isso: a desgraça, a morte, o sofrimento é o que mais atrai a atenção as pessoas.

Poucos acorrem à rua ao ouvir uma pessoa passar cantando. Mas se alguém ouve o barulho de um carro batendo, chove curiosos. Quando há barulho de briga, sempre tem mais um querendo saber quem é. Será que vão se matar? Vai haver tiro? Tem alguém já está ferido?

Mas com as coisas boas isso não acontece. Ninguém olha pela janela, sai da frente da TV para ver o que está provocando o riso de alguém que passa.

Essa postura talvez se explique pelo caráter mau com o qual é forjado o ser humano

Além disso, em cidade pequena as novidades quase sempre são as tragédias. Poucas vezes acontecem coisas boas a marcar um grande episódio.

Na maioria das vezes são brigas, mortes, assaltos…

A explosão na lanchonete do português foi ouvida em quase toda a cidade.

Muita gente correu para o local. E os curiosos, como sempre ajudavam e atrapalhavam nos trabalhos de socorro.

(Continua na próxima semana...)

Neri de Paula Carneiro

Rolim de Moura – RO

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