A FLOR DESTROCADA

A FLOR DESTROCADA.

Eram tempos difíceis, tempos escassos. Um tempo que não se contava, pois, as contas nunca fechavam. Tempos áridos, onde a fome era a mais fértil vegetação.

Em uma moldura sombria, onde as águas mais abundantes eram as que emergiam dos olhos daquela gente sofrida, as plantas ressequidas, naquelas terras lamacentas se alimentavam da neblina da noite.

As sementes de qualquer nutriente quando brotavam, quase sempre murchavam diante do impiedoso sol causticante do dia seguinte.

Por aquelas paragens, alimentavam-se os animais que ao fim do dia descansavam na relva turva encobertada pela poeira que ilustrava o cenário encardido.

O capim gordura e a extensa plantação de cactos, eram os sustentos dos retirantes que sobreviviam àquele sítio inóspito.

Onde encontrar um só respiro de expectativa de mudança de vida?

Como sustentar a fé num porvir de esperanças?

Teria Deus esquecido aquela gente em tal recôndito?

Nessa região onde o choro nutria a alma, havia uma mulher que desde moça, trazia consigo a esperança de tempos melhores, seus sonos eram revestidos de sonhos enfeitiçados. Todas as noites quando seu corpo físico adormecia, em desdobramento, viajava entre as nuvens e, rodeada por seres invisíveis, ingressava em campos belos onde ali poderia catar algumas flores de variadas espécies e cores.

Certa feita, ainda em estado de madorna, ela fora apresentada ao dono daquelas terras secas, que de tão arredio, o moço magro, por nenhum momento poderia se imaginar em comunhão com aquela tão doce jovem.

Passados os anos, eles se casam, e ela segue com o seu senhor para as terras dele.

Quando os ventos do norte sopraram forte naquelas manhãs de um final de outono, trouxeram para aquelas bandas algumas sementes diferentes que por encanto, mesmo num vaso frágil, brotaram algumas das mais belas flores.

A mulher sempre solícita ao seu amo, com o sincero intuito de trazer aqueles recantos um pouco mais de alegria, tratou de cultivar em seu vaso, uma especial flor que se mostrava extremamente resistente as intempéries da região.

O intrépido senhor daquele terreno duro, ao se deparar com a linda formosa flor, entendendo que no seu sítio só poderia haver espaço para o plantio de cactos, e jamais de arbusto que não lhe gerasse lucro, e ou servisse de alimentos para os cavalos, tratou imediatamente de arrancar dos braços da sua senhora aquela preciosidade, usando como escambo para aquisição de um equino selado.

Aquela subserviente ao perceber que sua mais bela flor, que fora gerada em seu vaso, pudesse ser afastada do seu carinho, apressou-se em correr, junto aos forasteiros para desfazer o tratado.

A ousadia daquela mulher não fora em vão, acostumada desde cedo a ceder aos comandos recebidos dos seus mentores espirituais, os estágios permanentes nos períodos de adolescência, renderam-lhe a aprendizagem necessária, no campo da homeopatia e tratamento de florais, para quando na maturidade pudesse se utilizar de recursos ao tratamento dos mais necessitados, numa região tão carente de tudo.

Durante 14 anos, o dono das terras áridas passou a desenvolver uma doença senil e aquela mulher, no uso das instruções recebidas, passa a ministrar diariamente naquele rude homem, exatamente o chá das pétalas da rosa que um dia fora gerado no vaso daquela santa madona.

A rosa do deserto, obedecendo a lei da natureza, ao longo do tempo, desenvolveu outras sementes, tão belas quanto a própria mãe.

Um dia, no mundo do faz de conta, a espécie vegetal que por muitas vezes só era conhecida nos reinos superiores, ela por conter tanta beleza em sua essência, tanto perfume, capaz de umedecer o coração endurecido de um homem de terras secas, resolveu clamar aos seus superiores a condição de se humanizar. Os arquitetos do universo, convencidos de tal merecimento, permitiram que aquela flor divina encarnasse no mundo, espalhando o seu aroma e sua alegria para todos ao seu redor.

PEDRO FERREIRA SANTOS (PETRUS)

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270522