Bolo de chocolate
Sob a luz da manhã, os caules roxos e nodosos erguiam-se contra o azul do céu de verão, as folhas longas e verdes cobertas por uma camada de cera natural que agia como repelente de insetos. Estavam por toda a parte, em cada centímetro livre de solo, incluindo as rachaduras no pavimento das estradas, há muito abandonadas. Suas raízes fortes abriam novas fendas, e seu domínio ampliava-se dia após dia.
- É como viver dentro de um bolo de chocolate - ponderou William, fazendo uma pausa em sua tarefa de abrir caminho na vegetação densa com o machete, limpando o suor da testa. Ao seu lado, seu irmão Thierry mordeu um dos gomos recém-cortados, a polpa sumarenta lhe escorrendo da boca.
- E nós somos as formigas; por sorte não resolveram aprimorar o capim - redarguiu, limpando o queixo com as costas da mão. - Caso contrário, apenas quem teve essa ideia brilhante provavelmente não iria passar fome.
- A solução para o problema da fome no mundo - divagou William, também comendo um pedaço de caule. - Só que erraram um pouquinho na dose...
- Quem disse que não tiveram sucesso? - Avaliou Thierry. - Essas plantas estão por toda a parte, e crescem como ervas daninhas.
- O difícil é impedir que tomem conta de tudo - William enxugou o suor da testa.
- Tarde demais - suspirou Thierry. - Se a espécie humana não tiver outro objetivo na vida que não seja encher a barriga, provavelmente poderemos viver felizes por muitos e muitos milênios... mas qualquer coisa além de meramente existir só poderá dar certo onde essas malditas plantas não cresçam.
- Não temos muitas opções - William recomeçou a cortar os caules arroxeados, seguindo o pavimento da velha autoestrada que conduzia ao norte. - Lugares onde há neve, por exemplo; o problema é que nós também não vivemos bem nesse tipo de ambiente, e as fontes de alimentação são bem limitadas...
- Sempre poderemos ir até a fronteira, onde cresce essa cana-de-açúcar geneticamente aprimorada, e fazer estoques. De fome, certamente, não vamos morrer...
William olhou para o irmão e fez um aceno de cabeça.
- Bolo de chocolate. É como viver num maldito bolo de chocolate...
Depois, voltou a mover o machete, ignorando o cansaço que o invadia.
- [04-05-2022]