O RESGATE DE UM AMOR ALÉM DA VIDA

   Esther abriu lentamente os olhos, não sabia onde estava, no entanto sentia uma grande sensação de bem estar, não lembrava exatamente o que acontecera e porque estava ali, sabia, porém, que sofrera uma grande decepção sem conseguir mais detalhes, no entanto os reais motivos lhe eram desconhecidos. Procurou relaxar e tentar refletir melhor, com a mente mais tranqüila talvez os fatos viessem a tona e ela lembraria de algo. Precisava que isso acontecesse. Passou as mãos nos olhos e sentiu que eles lacrimejavam, o silêncio ali era total e isso a deixava incomodada, preocupada, mas necessitava de descanso, seu corpo lhe pedia isso. Sentiu uma leve brisa beijar o seu rosto, foi o que lhe agradou nesse momento, se viu mais leve e decidida, iria aguardar mais um certo tempo para poder se inteirar do que estava realmente acontecendo com ela, pois nunca se vira em situação semelhante. Estava deitada, vestia uma espécie de roupão branco e o clima estava agradável, imaginava estar em um hospital ou em alguma casa de repouso, ficou surpresa com os primeiros reflexos do seu cérebro, sua vontade de descobrir o que acontecia aumentava, no entanto não queria forçar a barra, esperava que tudo se esclarecesse naturalmente. Olhou discretamente ao redor, ali não existia mais ninguém, só ela e sua curiosidade que a cada momento crescia. O aroma de flores despertou o seu olfato e a fez sorrir, olhou através de uma janela que naquele ambiente existia e imaginou que lá fora poderia ter um jardim, sentiu o desejo de conhecê-lo e tentou levantar-se conseguindo sem o menor esforço. Mais uma olhada no local bastante arejado, achou interessante, agradável, estava sentindo também uma felicidade mesmo sem saber a razão. Caminhou alguns passos e transpôs uma porta ganhando uma área externa onde realmente existia um jardim com bastante flores. Se deslumbrou com o que via e surpreendeu-se quando se deparou com algumas pessoas que lhe sorriam. Queria indagar sobre o que ocorria e o porque de ali estar, mas observou que foi levada a seguí-las para outro local diferente do que estava antes. Lembranças começaram a povoar sua mente, Esther de nada suspeitava quando foi convidada a sentar-se em uma confortável poltrona diante de uma espécie de tela, tal qual uma enorme tela de cinema onde se projetavam imagens. Ela adormeceu e entrou em um sono profundo.

   Acordou calmamente depois de algum tempo que não sabia especificar se foram minutos ou horas, mas continuava no mesmo lugar de antes, bem acomodada e admirada com o que começava e ver na imensa tela diante dos seus olhos. Em suas mãos estava um papelzinho meio amarelado como se o tempo o tivesse desprezado, nele alguns dizeres atiçaram as suas lembranças: "Sua vida em minha vida era tudo o que eu queria, seus braços para meus abraços, sua boca para meus beijos. Você foi se abrigar em outros braços, minha vida ficou vazia. Vou vivendo por viver, sepultado, coração bate por bater". Esther chorou como nunca tinha chorado antes. Lembrou-se da mesinha de cabeceira onde o guardava com todo cuidado e diante daquela tela especialmente preparada para ela Esther começou a visualizar imagens bem familiares sobre a sua vida. Ela via aquelas imagens como num filme que a levava ao passado e teve a certeza de que não mais pertencia aquele mundo. Chegou a pensar que estava sonhando, porém tudo era absolutamente claro, inquestionável, não podia duvidar. Conscientizou-se de que estava muito doente e carregava uma dor no peito. Ali perto estava a sua grande e inseparável amiga Nádia que se preocupava com a sua saúde e nada sabia sobre o seu grande segredo, apenas inquietou-se com o que estava escrito naquele pedaço de papel amarelado pelo tempo. E o grande segredo de Esther foi finalmente revelado para Nádia, pois notava a curiosidade da amiga e resolveu pô-la a par de tudo que passou na vida, justamente nesse momento e já numa idade avançada. Se morresse levaria consigo um segredo que só ela sabia.

   Uma pergunta para a fiel amiga foi sobre a existência de vida após a morte do corpo físico, Nádia apenas limitou-se a deixá-la em dúvida, afinal não poderia afirmar uma coisa da qual não tinha certeza, porém levou um pouco de esperança para ela dizendo que essa vida é muito passageira e não poderia terminar com a morte. Esther levou toda uma vida entregue a um amor que não vivenciou em sua plenitude, sofreu resignada amando um homem ao seu modo, da maneira como podia sustentar o seu coração. Com os olhos marejados e a saúde completamente abalada pela doença deu início a sua história de vida desde os seus primeiros anos até conhecer o homem que mudou a sua vida e o seu modo de pensar. Contou que sempre foi uma pessoa solitária e que não conseguia namorar na sua juventude, até os 22 anos nunca tinha conseguido um rapaz de quem gostasse, por não ser tão bonita se achava inferior as outras garotas. Foi nessa época que conheceu um rapaz de nome Marcos, de olhos esverdeados e um largo sorriso, era muito simpático e veio de outra cidade para trabalhar numa escola onde Esther lecionava. No primeiro contato com ela o rapaz despertou a sua atenção e surgiu aí um clima que deu a entender ser um namoro, o que deixou-a bastante feliz, porém Marcos estava sendo só atencioso como fazia com outras pessoas, Esther no entanto imaginou que o rapaz estava tão apaixonado quanto ela e passou a se aproximar mais dele, inclusive convidando-o para uma festinha onde dançaram, conversaram e pintou até um beijo. Esther já estava completamente perdida de amor, totalmente apaixonada e fez de tudo para que ele percebesse sem no entanto se declarar por se sentir um pouco receiosa de receber um "não". No trabalho na escola tudo transcorria normalmente até o dia de Marcos chegar ostentando uma aliança, o que deixou Esther desesperada, ele comunicou aos colegas que havia noivado e que casaria em breve. Essa moça perdeu todo o seu sossego e seu sorriso desapareceu por completo ficando a chorar dia e noite, para ela foi uma grande decepção. Alguns dias depois Marcos deixou a escola e foi embora para sua cidade e casou, Esther não se reconhecia mais e passou a alimentar esse amor como se estivesse vivendo com Marcos.

   Os anos se passaram, Marcos passou a residir na mesma cidade de Esther com sua esposa, o que aumentava o seu desespero vendo o seu amor quase que diariamente, esse seu mundo que criou para si a confortava de certa maneira e amou esse homem até o dia de sua morte, o que a fez imaginar que em outra dimensão o encontraria para viverem juntos esse amor. Sua doença se agravou e ela também partiu deste mundo.

   Diante daquela tela Esther viu toda essa encenação sobre sua vida, sobre esse amor que manteve sem nunca ter olhado para outro homem. Queria agora saber se o encontraria, pois dedicou toda a sua vida para Marcos, mesmo sabendo que ele não correspondia ao seu amor. Levantou-se daquela poltrona como quem sai de um cinema depois de assistir a um filme triste. Qual não foi o seu espanto quando ao sair daquela edificação deparou-se com Marcos a sua frente, de braços abertos, a convidá-la para viverem aquele amor que não foi possível na face da Terra.

************************

Esta história fictícia foi baseada na obra PROIBIDO PRA MIM, de autoria de Nana Gonçalves, publicado aqui no RL, a quem agradeço pela inspiração.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 10/03/2022
Reeditado em 10/03/2022
Código do texto: T7469528
Classificação de conteúdo: seguro