O Mestre das Palavras
Em outra vida ele havia sido o mestre das palavras. Conhecia seus poderes, e os utilizava bem como queria, fosse para ferir, ou conseguir algo que desejava.
Com as palavras, ele poderia ter recitado os mais belos poemas, capazes de curar o coração mais ferido, acalmar a mente mais perturbada, trazer paz para uma nação aflita.
Contudo, ele escolheu o veneno amargo da mentira, e a lamina cortante da manipulação. As palavras do mestre haviam sempre um duplo sentido, uma intenção encoberta às vezes com doçura.
Mas, nem mesmo suas palavras poderosas eram capazes de enfrentar o deus do Tempo, e o Tempo não é misericordioso, chegada a hora ele envia seu mais fiel vassalo, que cavalga sobre as planícies fazendo sua colheita.
Quando o relógio badalou a alvorada do Tempo, havia chegado a hora do Mestre das Palavras, e sem se deixar adormecer, ele esperou pelo Ceifeiro.
A Morte chegou em um cavalo alado, seu manto branco quase translúcido brilhava como uma estrela, e seus longos cabelos escuros emolduravam a face de um anjo.
"Não esperava que aquele que me tiraria a vida seria criatura tão bela" - disse o Mestre.
"Não posso dizer o mesmo de ti, alma lamentável e perniciosa, é chegada a sua hora." - disse o Ceifeiro.
"Espere! Permita ao menos que em meu último suspiro eu recite minha última ode." - disse o Mestre implorando.
Ceifeiros não são bons nem maus por natureza, eles carregam em si a justiça do peso da vida, então quando é chegada a hora da colheita, eles erguem com candura as almas que merecem um descanso, e fatiam as malignas para que seu último suspiro contenha toda a dor que causaram em vida.
Assim, o Ceifeiro concedeu ao Mestre seu pedido e sorriu, pois assim que terminasse, o Mestre teria sua cabeça rolando pelo chão.
"Essa vida eu vivi sem arrependimentos,
aprendi as linhas e entrelinhas da humanidade,
colhi e roubei os frutos que desejei
sem jamais sucumbir a vaidade.
Em meu último suspiro invoco meus poderes,
para que minha alma fuja desse corpo senil,
e voe até um novo jarro que comporte
o meu arbítrio vital."
E com suas palavras formou-se uma carruagem de vento, e vendo isto o Ceifeiro sabia, que aquela danosa alma fugiria, mas antes que o Mestre declamasse as últimas palavras do seu encantamento, o Ceifeiro colou na carruagem o jarro perfeito para o Mestre em sua próxima vida.
Quando abriu os olhos, o Mestre se encontrou no seio de sua nova matriarca, e dormiu contente, sabendo que ele havia trapaceado a morte.
Os anos se passaram, e o Mestre esperava ansioso para dizer sua primeira palavra, contar sua primeira história, conseguir sua primeira moeda de ouro sem precisar trabalhar, mas o tempo foi passando, e a palavra nunca lhe chegou, ele tentou e tentou, das palavras mais simples como céu e pão, e nada de sua boca saía além de um balbuciar oco e enevoado.
Do alto o Anjo da Morte sorriu, do mestre que não tinha mais palavras.