O bêbado que afugentou tripulantes de OVNI

Dona Jerônima decidiu que aquela seria a noite em que daria um flagrante no marido chamado Gezuínio, que quando ficava bêbado era visto cheio de enxerimento para as mulheres daquela cidade do interior nordestino da década de 1940. Era fim de tarde e a penumbra da noite caía vagarosamente num belo final de domingo.

Mas Gezuínio, que estava já bêbado e fora de casa desde o início daquela tarde, foi avisado de que a esposa já o havia procurado em duas barracas onde vendiam cachaça braba. Só faltava uma, que era aquela onde ele estava.

Gezuínio, já muito vermelho e alcoolizado, começou a fazer rodeios pelas ruas estreitas e conseguiu alcançar a praça municipal que de longe pareceu estar mais iluminada do que nunca. Mas não achou que tinha tempo de se aproximar da multidão que se concentrava ao redor de um troço todo iluminado que parecia uma roda gigante deitada e piscando como uma árvore de natal.

Gezuínio entrou na igreja cujas portas abertas sinalizavam que logo o sino tocaria chamando para a missa. Aquele templo era a única construção grande e parecida com algo mais bem construído na localidade interiorana. E foi lá que o bêbado perseguido foi se refugiar, mas não sabia que a esposa havia percebido a manobra dele, já estando no encalço do marido espertinho. O fato é que ela também não prestou muita atenção naquele clarão da praça e nem quis ir conferir aquilo que parecia uma roda gigante deitada.

Descrevo agora algumas coincidências interessantes.

O padre havia se deslocado, ainda pela manhã, com destino a uma cidade vizinha e havia tido o azar de o carro paroquial ter se quebrado enquanto ele estava prestes a voltar e assumir a realização da missa. Portanto, a única pessoa culturalmente esclarecida não estava presente quando um pouco antes havia ocorrido o pouso daquilo que na verdade era uma nave espacial que se posicionou na praça. Por outro lado, as beatas e alguns idosos fiéis estavam dentro da igreja no momento em que a esposa perseguidora e o marido perseguido entraram no templo, sem que estivesse presente o sacerdote — que também havia levado consigo o sacristão à visita fora da paróquia.

Gezuínio já conhecia o interior da igreja e ficou numa antessala mais ao fundo, pois desconfiava que a mulher poderia ter dado com os olhos nele quando ele entrava. Numa pequena divisão que servia de escritório ele encontrou os pertences oficiais do padre, como também os trajes usados pela paróquia nas sessões de teatro da Semana Santa. Em poucos segundos, ele estava vestido como um padre, inclusive com um chapéu que era tradição naquele tempo. Havia até uma barba postiça que ele achou, lá dentro, e que servia para as dramatizações referidas.

Então, aconteceram coisas que tornariam Gezuínio um herói. É que ele passou a escutar uma voz estrondosa, como se fosse a de um ser sobrenatural (conforme ele imaginava que poderia se parecer).

— Eu, que sou o líder, aprendi a língua de vocês terráqueos e preciso falar com a pessoa que lidera este estranho congresso filosófico.

Na verdade, Gezuínio nada sabia sobre coisas como aquela. Jamais tinha escutado sobre extraterrestres. Mas imediatamente se lembrou da roda gigante deitada na praça e concluiu que aquilo podia ser coisa vinda de algum lugar assombrado.

— Vamos! Sei que vocês me entendem! Onde está o líder de vocês? Nós já espionamos antes e sabemos que a reunião (entre vocês e ele) sempre ocorre quando o Sol é visto no ocaso lá no horizonte.

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Ninguém respondia, pois o burburinho era de rezas e choros de desespero. Não havia quem ali achasse que aquilo fosse de Deus, senão aquelas aparições não teriam esperado o padre se ausentar da cidade. Gezuínio escutou de lá, do local onde estava. Apesar de ser um cachaceiro, ele acreditava nos ensinos da Santa Igreja Católica. Foi então que resolveu aproveitar o disfarce e salvar a comunidade entregando-se nas mãos daquelas criaturas. Sim, a bebida sempre lhe deu coragem — lembrava ele a si mesmo. Além do mais, já tinha visto que sua pobre esposa estava também na igreja e percebeu que a coitada tinha desmaiado.

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¬¬ Pois não! O que desejas, filho do Capeta? O padre hoje sou eu, que fui mandado de última hora.

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Gezuínio segurava um enorme crucifixo nesse exato momento.

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— Ora, ora! Se você for o novo líder neste momento, servirá para conversar conosco. Mas antes terá de provar que é mesmo o líder e proferir algumas palavras num idioma conhecido aqui na Terra como: Latim. Isso mesmo! Sei que o líder daqui é muito culto, estudou muito e se preparou para falar outros idiomas terrestres. Só assim saberemos que essa tal pessoa poderá futuramente aprender a língua do nosso planeta. Venha! Fale diretamente neste dispositivo que tenho pendurado no pescoço, para que repercuta bem alto e também fique gravado em nosso dispositivo intergaláctico.

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Gezuínio não entendia muito aquele palavreado, mas entendeu que precisava chegar perto e falar naquele aparelhinho. E sabia que teria que impressionar. Então, lembrou-se daquilo que o padre havia lhe dito.

Todos os fiéis ali achavam que aquele homem de barba longa vestido como o padre era ninguém menos do que Moisés ou um outro profeta, que havia sido enviado para impedir qualquer infortúnio. E como isso combinava muito bem com a fé que alimentavam no coração, passaram a esperar confiadamente no que iria se passar.

Gezuínio aproximou-se rapidamente e, recordando-se perfeitamente do que o padre verdadeiro havia lhe explicado, vociferou confiadamente em direção ao objeto pendurado no pescoço da estranha criatura, precisando para isso aproximar o rosto quase colado na cara do bicho:

¬¬ Esferonosfifáfis Feronosfófis! ESFERONOSFIFÁFIS FERONOSFÓFIS...!

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Tudo aconteceu muito rápido, depois daquelas estranhas palavras proferidas por Gezuínio.

Em poucos minutos, não havia extraterrestre dentro da igreja e a nave espacial disparou da praça, alcançando o espaço na velocidade da luz. Fugiram!

Nasceu um herói. Dias depois, o padre verdadeiro conversava com Gezuínio e lhe dizia do orgulho que sentia. Mas, pediu explicação sobre o significado daquelas palavras que jamais tinha ensinado ao simples e embriagado fiel. Portanto, queria saber a razão de ele dizer tais vocábulos.

¬¬ Eu me lembrei do que o senhor, Seu Padre, havia me dito.

— Mas, eu nem conheço essas palavras que até você quase nem consegue repetir!

¬¬ Não é isso, meu Santo Padre! Eu me lembrei, sim, que o senhor havia me dito que: quando eu bebo muito, ninguém, mas ninguém mesmo, deste ou de outro mundo... suporta o meu bafo. Portanto, pensei numas palavras que para serem faladas tivessem que ser sopradas. Então, inventei: Esferonosfifáfis Feronosfófis! E olhe que eu ia dizer apenas “FIOFÓ”, mas ficava muito curtinho e não iria parecer como se eu falasse Latim.

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Da série: “Suave, na nave”