ALUCINAÇÕES DE UM MORDOMO
Nícolas era mordomo de uma mansão e trabalhava nela há muitos anos por gozar da confiança dos patrões. Quando seu Genaro faleceu, há alguns anos, d. Almerinda assumiu o poder desse imenso imóvel. Moravam ali ela, uma filha e duas empregadas e todos gostavam muito de Nícolas, que já contava quase sessenta anos e adorava esse emprego, pois sentia-se como um membro dessa familia. Estava ele na sala principal e como sempre gostava de fazer ficava ali sozinho num amplo sofá dedicando-se a leitura de romances e histórias fictícias, livros que pegava na biblioteca e nem se preocupava com a hora. Certa noite ele ali estava envolto em suas leituras, o sono o convidava para se recolher aos seus aposentos, mas a história estava tão impressionante que se recusava a cair nos braços de Morfeu. Súbito a campanhia tocou, já passava das oito da noite e ele estranhou, nessa hora quase ninguém aparece, salvo em caso de alguma emergência de algum parente. Ele foi até a porta, abriu e não viu uma viv'alma na frente. Voltou e pegou seu livro continuando a leitura. Minutos depois o relógio de parede deu nove badaladas, ele assustou-se um pouco mas continuou no seu lazer. Novamente a campanhia tocou, Nícolas teve um sobressalto e um certo reveio de atender, aguardando alguns minutos. Silêncio total.
O velho mordomo teve um arrepio, a campanhia tocou mais uma vez, ele sentiu o sangue gelar, hesitando em se aproximar da porta principal da mansão devido a hora avançada. Saiu dali e foi para a outra sala que ficava próxima de seus aposentos. Aos poucos foi se acalmando e teve dúvida se realmente a campanhia tocou, afinal estava tenso e sua audição poderia muito bem ter recebido uma falsa mensagem do cérebro. Olhou o relógio de pulso coçando a cabeça, já era mais de uma hora da madrugada, como poderia ter passado tanto tempo desde as badaladas da outra sala? Estaria delirando? Não ousou abrir a porta e seu intuito recomendou que voltasse aos seus aposentos e tentasse dormir. Foi o que fez, mas a porta estava trancada e Nícolas tinha certeza que tinha deixado aberta. Procurou nos bolsos a chave e não encontrou. Ouviu passos no corredor e seu corpo tremeu. O barulho dos passos cessaram e Nícolas suspirou aliviado por não vislumbrar ninguém por perto. Instintivamente pôs a mão na maçaneta da porta do seu quarto e conseguiu abrí-la. Entrou e deu um profundo suspiro cuidando de fechar a porta, percebendo que a chave estava no lugar, na parte de dentro. Sentou-se na cama e deixou o corpo cair pesadamente sobre ela. Mais uma vez consultou o relógio e admirou-se com a hora: quatro da manhã. Como as horas passaram rápido - pensou. Umas batidas na porta fizeram o mordomo entrar em pânico. Mesmo tomado pelo pânico, suando frio, Nícolas permaneceu deitado, não ousou levantar-se e ir até a porta que tinha certeza de haver trancado com segurança. As batidas aumentaram e o mordomo continuou na cama fazendo todo esforço para manter a calma. Sabia que naquela imensa mansão só existiam mais quatro pessoas além dele, ou seja, a viúva e agora única patroa, a filha e duas empregadas. Tinha que ser alguma delas que insistia em bater na porta. Pensou em atender, mas uma voz masculina o fez voltar atrás e não atender. A voz pedia para que ele abrisse de imediato e ameaçava derrubar a porta. Nícolas tremia igual vara verde e seu temor se concretizou: a porta veio abaixo e uma figura demoníaca ele vislumbrou. Gritou como um louco até perceber que estava no chão, havia caído da cama e acalmou-se quando viu as duas empregadas a socorrê-lo, que com a chave extra tinham aberto a porta depois de ouvirem seus gritos. Já era manhã e Nícolas tivera um pesadelo que chamou a atenção dos demais residentes da mansão.