CONFUSÃO NO SALÃO

CONFUSÃO NO SALÃO

Na Belém dos tempos do Imperador acontecia naquele momento o grande baile de Madame de Saint-Jacques como homenagem ao fim da Revolta dos Cabanos, terminada em 1870, meses antes. O sentimento anti-Monarquia era forte, o Brasil respirava ares republicanos. Madame só convidara amigos da causa imperial, porém o arrogante coronel Queirós e sua antipática esposa insistiram em comparecer. A recepção no magnífico salão do Palácio Antônio Lemos, cedido à família, ía às mil maravilhas, não fosse a presença do "casal militar", ela num caríssimo longo de seda verde-oliva, só para combinar com a farda do coronel.

"Aquilo não ía prestar"!, diziam à boca pequena alguns convidados, inclusive "Chanteclair BonCharm" (era apelido), o fofoqueiro-mor do Society belemita. Mademoiselle Saint-Jacques -- filha dileta e única dos anfitriões -- 13 belos anos de petulãncia aristocrática nas nobres veias "enchia a cara" de bolos e pastéis, sem saber o que fazer entre adultos.

-- "Menina, isso é bebida forte, não posso te servir" !, protestava a garçonette, driblando a insistência da jovem.

-- "Sou filha da dona da festa e estou com sede" !

Não demorou para a "mistura explosiva" fazer efeito no frágil estômago da garotinha... a moçoila atravessou o salão lotado com a mão na boca, rumo a um dos janelões. Não deu tempo para nada ! Descarregou líquido e "detritos" no vestido longo da "coronela", com o militar irado quase a esganar a assustada petiz.

-- "Tire essas patas sujas de minha filha, seu pulha" !, berrou Monsieur Saint-Jacques, pai da meninota, enquanto dava um murro no esôfago do coronel. A mãe foi esbofeteada pela mulher do oficial.

-- "Isso é para você aprender a dar modos para essa fedelha nojenta" !

Engalfinharam-se para horror dos presentes, as mãos nos cabelos desalinhados da adversária, aos gritos, a Orchestra aumentando o volume dos instrumentos, para abafar o escândalo. Puseram o casal castrista "na rua" e o jornalista "Chanteclair" -- monarquista ferrenho -- foi entrevistá-los:

--"Que vexame, hein, coronel... o que o senhor tem a dizer" ?!

-- "Ela foi instruída pela mãe, aquela "peste"... não houve Acaso aí, mas se você publicar 1 linha sequer eu acabo contigo, seu pasquineiro de uma figa" !

"BonCharm" voltou ao salão, lá também lhe imploraram que "esquecesse" a confusão. Tudo inútil... o "CORNETIM DA REALEZA" saiu às 11 horas da manhã seguinte -- ainda não eram comuns as fotos -- cheio de charges venenosas ridicularizando o coronel e sua bruxa, digo, madame. O jornal vendeu a edição inteira, fez outra tiragem às 14 horas... "a Imprensa cumprira o seu papel" de bem informar, pensava o jornalista, quando bateram forte em sua porta às 15 horas e tanto. Era o coronel furibundo, que deu com as luvas na cara do fofoqueiro:

-- "Te espero para um duelo domingo, na Praça Pedro II (antes Largo da Campina, depois "da Pólvora" e hoje, da República) seu covarde e, se não fores, TE MATO como a um cão... escolha as armas, canalha" !

Escolheu a CANETA "Parker Blue, série Golden"... o coronel achou que era chiste, foi com garrucha de 1 tiro. O Quartel alertou que aquilo "era ASSASSINATO", cuidasse êle para não matar o jornalista ou seria preso e condenado. Os amigos obrigaram o periodista a ocultar no peito rija tábua de acapu, madeira de lei e o coronel atirou na barriga do desafeto, sem muito prejuízo pro escritor, que virou HERÓI, carregado em triunfo por toda a praça lotada para o trágico evento. Enfim, a Imprensa cumpriu o seu papel !

"NATO" AZEVEDO (em 21/jan. 2022, 6,30hs)