A DISPUTA ELEITORAL

A DISPUTA ELEITORAL

A cidadezinha nos confins dos pampas -- quase na fronteira com o Uruguai -- amanheceu no Natal com ar de "esposa traída", do tipo que constata a cama do casal vazia. O marido não dormira em casa ! Explico: na porta das casas, em boa parte da cidade, das personalidades mais influentes, mais importantes, estava o presente "anônimo", não fosse por singelo cartão "de Boas Festas".

Aquilo era muita audácia... as eleições municipais, que deveriam ter sido em outubro, devido a repentina enchente foram remarcadas para os dias iniciais do novo ano. Algum espertinho aproveitara as derradeiras horas de propaganda permitida para a investida malandra, quase um insulto. Na ceia de Natal em meia cidade os ânimos se exaltaram, o assunto principal não era a chegada do Menino-Deus mas a dos presentes ofensivos.

A cidade "se dividia" em 3 grupos políticos: o "Boi Feliz", das famílias da gente importante, abastada, descendente dos fundadores; o "Curral Novo" aglutinava pequenos comerciantes, funcionários públicos diversos, esportistas, professores e diretores de escola e, na base da pirâmide, o populacho vil, pessoas sem ocupação definida -- e que não se importavam com eleição alguma -- formavam o terceiro grupo político, o "Cão Feliz", maior em número, menor em importância.

Nesse momento todos estavam irritados... alguém tentara suborná-los com presentinhos "de bosta" ! Na "calada da noite", oculto sob as trevas natalinas, alguém decidira insultar a decência geral.

-- "Aqueles "alemão" do "Curral Novo" nunca prestaram" !, vociferou no bairro nobre o "figurão", sob os aplausos dos convidados endinheirados.

Do outro lado da cidade, mesa mais modesta, de chucrutes, cerveja e compostas, troveja vermelho de ira santa um descendente de bávaros, visigodos e germanos:

-- "É coisa do miserável do "turco" do "Boi Feliz", só êle tem dinheiro para uma palhaçada dessas" !

Até nos subúrbios a reclamação era semelhante, algumas poucas choupanas, das mais pobres, surgiram com 2 pacotinhos natalinos -- cartão com o símbolo dos "Partidos nobres" -- à porta, para surda inveja de moradores com alguma posse, na área do "Cão Feliz". As discussões e acusações atravessaram a semana.

-- "Partido safado... botou cartão dele mesmo em casa de alguns eleitores, só pra parecer que fomos nós" !

-- "Os desgraçados acham que nos compram com presentes... a nós, que fundamos essa Cidade" !

Contudo, em boa parte dos eleitores comuns nasceu a dúvida com relação a lisura de seus Partidos:

-- "Será que não tentaram mesmo "comprar" o pessoal "do outro lado" ?! É muita falta de caráter do nosso Partido" !

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As eleições se deram em clima de guerra, muita gente faltou ao pleito e, pela primeira vez em quase cem anos, os 2 grandes Partidos não fizeram o prefeito. Deu "Cão Fiel na cabeça" ! Do outro lado da fronteira, num usurário uruguaio, há gorda promissória em nome do jovem prefeito eleito, que empenhou todo o seu rebanho de carneiros como garantia do vultoso empréstimo.

Está tranquilo... enquanto prefeito terá oportunidade para fazer grandes negócios (e que "negócios" !) e para recuperar a pequena fortuna que gastou com a esperta tramóia.

"NATO" AZEVEDO (em 7/jan. 2022, 5hs)

OBS: pra variar, a idéia surgiu de mais um sonho... houve "adaptação" de cenas de antiga música sertaneja, dos anos 50/60, abordando rixa entre um rico e um pobre, frente a um juiz muito severo.