Ladrões de Flores

Eles roubavam apenas flores nas Chácaras Vale das Acácias, onde costumavam passar os finais de semana acampados à sombra de paus d'óleos, pequis e ipês em busca da energia positiva da natureza, para recuperarem as forças subtraídas durante a semana em um trabalho de Sísifo na agitada metrópole.

Caminhavam pelas estradas irregulares do chacreamento, atentos à diversidade do cerrado, conversando com os pássaros, distribuindo sorrisos e cuidados aos seres frágeis de região agredida pela insanidade humana. Pisavam o chão com leveza, pois estavam convictos de que sob seus pés havia vida em profusão e a morte de um único ser infinitésimo colocava em risco a vida do planeta.

Os insensíveis os tinham como lunáticos; os desconfiados, não acreditavam na pureza de seus gestos. E se os afoitos em concluir orgasmos os vissem rolando na cama juncada de pétalas de rosas de várias nuanças durante os dias e as noites das quatro estações ou à sombra das árvores, diante dos olhares cúmplices dos guardiões das matas, certamente diriam que eles eram uns devassos, ou, no mínimo não pertenciam ao reino deste mundo de time is money, de ser é ter.

Pulavam as porteiras de sítios e chácaras em busca das mais belas flores, para a alegria dos cães solitários, encarregados de proteger a propriedade privada. Cães sabidos, que reconheciam as pessoas de sentimentos puros, lambendo-lhes as mãos, abanando os rabos em sinal de amizade e cumplicidade. Era um encontro de alegria mútua, pois eles sempre tinham um naco de pão para ofertá-los em troca da liberação da área. Saiam com as mãos carregadas, tendo sempre o cuidado de não ferir as plantas, atentos para não recolher todas as flores, deixando muitas enfeitando os jardins. Saiam com um sorriso de felicidade estampado, carregando-as com leveza, beijando-as e se beijando.

Mas a vida dá muitas voltas e o que parecia ser uma felicidade eterna não se confirmou. Em uma noite de lua cheia, quando os corações ficam afoitos e os desejos descontrolados, eles entraram na barraca, e o que ninguém poderia imaginar aconteceu: eles não se entenderam. Ela recusou suas carícias e seus beijos, fugiu de seus abraços, destruiu as flores colhidas, que adornariam seus corpos na longa noite de amor. Em seguida levantou-se e, com um estranho brilho nos olhos olhou-o fixamente. Este olhar penetrou no mais profundo de seu âmago, provocando-lhe um transe. As feições dela foram se transformando lentamente, e ele, petrificado diante daqueles olhos transmutados, sentiu-se exausto. Sentou-se sem conseguir desviar os olhos da face da amada. Antes de perder os sentidos a viu fugir da barraca e ouviu um grito descomunal cortando a noite de lua cheia.

Ele anda agora solitário pelas estradas do Vale das Acácias, com os olhos fixos no infinito. Uma vez ou outra observa as plantas e com voz rouca fala:

É uma pena você não estar aqui

para ver as rosas desabrochando

as alamandas se alastrando.

É uma pena você não ter a felicidade

de pegar a terra com as mãos

ver os hibiscos vestidos de vermelho e rosa

e as jabuticabas maduras

o jardim iluminado por um relâmpago engravidando a terra

e de ouvir o estrondo do trovão num grito de prazer.

É uma pena você não ver

a alegria das coisas simples

como a luz dos vaga-lumes

o canto dos pássaros

e o barulho da chuva

na terra

nas folhas

nas flores.

É uma tristeza de cortar o coração vê-la na clausura

deixando de ver tanta beleza.